CLÉU ARAÚJO
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Party girls don’t get hurt

por: Cléo Araújo

25 AGO

2014

Deixei meu casaco de propósito na cadeira só para você se lembrar de pegá-lo pra mim.

Faço dessas coisas. É ridículo, e eu sei. Mas eu faço.

Levantei atropelando um tapete de sisal que quase me derrubou, no chão, cheio de caquinhos e migalhinhas estranhas. Odeio tapetes. Odeio migalhinhas estranhas. Mas, não caí. Volto aqui amanhã para aspirar tudo isso, gente, mas tchau, por hoje. “Mas vai já, tá tão cedo?” Não gente, preciso ir, preciso ir, vou.

Mas aí, claro, derrubei uma almofada. Talvez duas. Talvez todas as almofadas do mundo. Caiam todas, malditas! O importante, percebam, é que o casaco para trás eu deixei. Eu deixo. Eu vou. No candelabro eu me penduro amanhã, semana que vem, mês que vem, talvez. Hoje, não alonguei.

Mas como não aguento ver almofadas no chão, agachei e coloquei as 32 no lugar, preocupada se meu short, minha saia ou minha burca eram muito curtos, ou pouco curtos porque, afinal de contas, qualquer coisa que eu vista, ou em qualquer lugar em que eu agache, parece sempre faltar ou sobrar alguma coisa, algum pedaço de pele a mais, algum pedaço de pele a menos, alguma coisa sempre falta, algum excesso sempre sobra. Essa sou eu. Daí, me preocupei. Mas segui. Determinada. Sã. Rumo a qualquer lugar.

Não disse tchau porque tinha pressa, você que me desculpe, mas a música estava alta demais e eu queria sair dali, de você, de mim, se desse. Rumo a qualquer lugar, já mencionei? Sim, pra lá, depressa.

Você correu. Você corre. E segurando meu casaco, quase encardido, há mais de um dia pendurado numa cadeira empoeirada de poeiras de ontem, poeiras de um mês atrás, caquinhos, migalhinhas estranhas, lá veio você, tão alto e tão pequeno, tão solicito e tão ausente, tão maduro e tão inconsequente.

Só parei, te juro, porque você gritou o apelidinho infame que ninguém me deu. E me deu tremedeira e vontade de gritar e rasgar casaquinhos encardidos.

Virei o rosto e te vi, ali, todo cheio de si, com uma roupinha na mão, como se fosse um doador premium da campanha do agasalho da Campanha da Fraternidade acalentando uma alma perdida numa noite fria, uma alma que tropeça em tapetes e se agacha para almofadas alheias sem se machucar. Estiquei meu braço sexy para pegar a peça de roupa da sua mão. Nem sabia se era minha, mais. Mas, obrigada.

Você e sua barbinha mal feita me perguntaram para onde eu ia, por que eu ia, por que eu.

Eu não tinha respostas, só queria meu casaco, meu carro, meu carregador, minha rádio no Spotify, minha casa, onde você estaria sem estar, marcado em qualquer coisa que eu não tivesse removido de lugar, limpado ou desempoeirado.

O casaco eu peguei, no carro, eu entrei. Para casa eu dirigi. Cheguei, até.

Subi e larguei o casaco no carro. De propósito. De castigo.

Mas o puto do casaco não me largou. Eu não me larguei. Dancei com um pedaço seu amarrado no meu pé, dormindo.

Já basta de você, em mim. Já basta de você, aqui, rasgado. Já basta de você.

Colecionei meus fins, todos eles, sei de cor.

Mas você, não.

Você não finda porque eu não deixo.

Você não finda porque eu não quero, não sei, não é hora, não é.

Você não finda porque não sabe. Porque tem qualquer coisa, em mim. Qualquer pedaço de pele debaixo da minha  unha. Qualquer pedaço de tecido com cheiro. Qualquer pedaço de mim.

Estiquei meu braço sexy para pegar o telefone.

Maldito, cheio de migalhinhas e caquinhos, feito uma peça de roupa de outra pessoa , com outro cheiro, estendida para mim numa noite fria.

Nem sabia se era minha, mais. Mas peguei. Vesti.

Obrigada. Obrigada, mesmo assim.

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