CLÉU ARAÚJO
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Je suis?

por: Cléo Araújo

16 JAN

2015

“Pra cabocla, uma porção de fritas e uma dose de amor próprio com gelo e limão, por favor.” “Pra ela, a francesinha travada, uma taça de Veuve Clicquot e um foie grais puxado no rivotril, oui, monsieur, merci.”

Pois é, menina, pra você ver como a vida é estranha. Agora tô assim, dupla. Uma deu de roubar beijo. A outra de falar com os olhos. Uma deu de inventar assunto para puxar. De pensar nele quando olha pro saleiro, pro suporte de guarda chuva. A outra é blasé, não pensa em nada porque não olha pra nada, finge que não tá nem aí. E as duas estão pirando minha cabeça.

A cabocla prostituta emocional divide espaço com a parisiense fria e afrescalhada. Uma dá coisas que nem foram pedidas em troca de umas moedas, sabe? A outra acende um cigarro quando tá nervosa.

A cabocla fica lendo essas conversas de Whatsapp. A francesa não acha nada, acha só que existem dois tipos de pessoas e coisas na vida: as horríveis e as lindas. E aí a francesa ouve um áudio que a cabocla mandou. “Você mandou um áudio? Pourquoi?” E a cabocla responde, meio bêbada “porque eu quis, sua recalcada!”

O problema é que as duas dividem o mesmo estômago e nele tem um ponto que dói toda vez que elas se lembram que precisam trocar gás carbônico por oxigênio, o que é raro. É, elas também dividem dois pulmões. A cabocla, alterego, briga com a francesa, superego. É o caos. Uma expira enquanto a outra ainda não inspirou.

A francesa pede, com classe.

A cabocla grita, escandalosa.

Uma quer um Merlot. A outra, uma tequila.

As duas se encontraram num bar. Ambas lá, onde mais? “Desce um limão e um salzinho, meu rei!”. “Oui, mon amour, doucement.”

Uma foi para Bruges e Budapeste. A outra, a rodeios e botecos pé-sujo.

Elas se amam, elas se odeiam.

Uma veste uma saia de couro, vermelha. A outra uma echarpe e um scarpin.

A cabocla, cara, tá pirando. Acabou de virar duas doses de tequila.

A francesa tá paquerando um cara que parece o Jean DuJardin.

Começamos a comer as batatinhas e o foie gras, a tomar o amor próprio com gelo e limão e o rivotril.

E as duas ficam mudas quando ele chega e cala meu único e bilíngue coração.

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