CLÉU ARAÚJO
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Knockout

por: Cléo Araújo

25 ABR

2015

Esse texto eu escrevo de olhos fechados.

Escrevo sentada sobre meus planos de ontem.

Escrevo com os pés cobertos pela manta das minhas antigas verdades, uma manta velha, com furos que me lembram que, mesmo ela, tão quente e verdadeira, já teve seus dias de brasas, caindo e queimando as tramas finas da sua lã.

Esse texto eu escrevo com o rosto e o cabelo molhados.

Escrevo com o vento que me despenteia e que sopra pra dentro o dia lindo que brilha lá fora, me ajudando a lembrar que eu, mesmo eu, poderia, sim, ser feliz.

Esse texto eu escrevo com a casa vazia.

Com o perfume do café desenhando memórias no ar.

Escrevo com as mãos algemadas, unidas num misto de pena e de prece, mãos que se desculpam e agradecem por todos os erros e acertos que me trouxeram até aqui.

Esse texto eu não escrevo. Eu nunca quis escrever. Mas ele vem e invade todas as minhas páginas em branco. Elas vêm e me esmurram o estômago, me fazendo cair.

Knockout.

Eu queria escrever que esperava por outras histórias. Mas esmaguei o futuro na ânsia de viver o presente.

Eu queria escrever que tudo foi para sempre. Mas antecipei o fim mesmo amando o meio próximo ao infinito.

Eu queria desescrever todos os cortes e feridas que sofri e causei. Queria suturar com perfeição e estancar todo o sangue que jamais, jamais deveria ter gotejado desse meu coração que de mudo, dormente e palpitante ganhou um nome.

Mas esse texto eu escrevo e escrevo sem você.

Escrevo sem querer.

E me vem essa calma, repentina.

Me ajuda a abrir os olhos. E é quando percebo.

Você não precisa estar aqui para estar comigo.

Você não precisa estar comigo para estar em mim.

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