CLÉU ARAÚJO
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Mosquiteiro

por: Cléo Araújo

01 MAI

2015

O forro sem laje já mandava a real: “armem o mosquiteiro”.

E, naquela noite de chuva, depois de algumas picadas de pernilongo, foi assim que a gente fez.

Penduramos o escudo no alto da cama, prendemos suas pontas debaixo do colchão e criamos um casulo de proteção contra muriçocas, chikungunyas, besouros e fantasmas de besouros de outros tempos jamais imaginado além do trópico de capricórnio.

Poucas noites foram tão bem dormidas quanto essa.

Não tem nada como dormir com um manto translucido abençoando nosso sono, nossas vidas, nossas peles.

É como se tudo ficasse ali dentro, guardado.

Um mosquiteiro bem acomodado é quase impermeável. É quase dry fit.

Ninguém sua, lá dentro. Nada chove, lá fora.

Dali, nada sai. Ali, nada entra.

A pele, intacta. O coração bate até mais manso, num compasso meio bossa nova, meio reggae.

A cama com um mosquiteiro é a cama eterna.

É a cama dos reis, sobre as quais ninfas e cupidos jogam suas flores e flechas.

Uma cama com mosquiteiro dura a vida toda porque lá dentro a luz é outra.

O cone que vem do teto é como uma pirâmide esculpida em tule.

Ele cai, delicado, sem encostar na gente, fazendo carinho à distância.

Noite passada, fez frio, mas o cobertor não esquentou.

Sonhei com a cama, sonhei com o mosquiteiro mágico, à prova de raios de luz, bichinhos e ruídos vindos de longe.

Sonhei com o bunker de voil. Com uma cápsula sagrada.

Sonhei com um refúgio sem fim que nos protegia com seus véus e nos guardava lá, onde o tempo parou.

 

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