CLÉU ARAÚJO
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Neverland

por: Cléo Araújo

20 JAN

2015

As coisas em Dirceu não acontecem como em outros lugares da Via Láctea.

Aqui tem um vórtice, um portal multiplusmonsterhigh dimensional que atrai, gera e cria pessoas energeticamente complexas e indefinidas.

Pessoas de Minas, de Luxembrugo, do Acre, das Serras Gaúchas, de Gales e da Ilha de Malta chegam a Dirceu e dizem: “mas que cidade é essa?”. Pois é.

Da mesma forma, pessoas que viveram a vida toda em cidades próximas a Dirceu, e no entanto distantes do vórtice, chegam aqui e suplicam aos transeuntes “escuta, moço, como é que faz para sair daqui?”.

Não faz. Não tem como. Porque Dirceu é tipo a Caverna do Dragão. A ilha de Lost. A Terra do Nunca. O Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Numa noite qualquer, você pode ir para casa com o Mestre dos Magos, acordar com a Cuca e se surpreender girando num carrossel de unicórnios com um bilhete no bolso onde está escrita uma sequência de 6 números para você digitar no iPhone e sua cabeça não explodir.

Dirceu é a sauna do demo no verão. Gelada feito a Groenlândia no inverno. Aqui (sim, eu estou aqui, acho) sopra um vento que vem e vai pro Vale, que sobe e desce dos Itambés e balança as janelas fazendo um zunido que, confesso, já me fez perder o sono. Aqui eu vejo estrela cadente quase toda noite. Só pode ser gente (?) chegando. Só pode…

Em Dirceu, ninguém é real ou igual. Quando você acha que já viu de tudo nessa vida, vem um amigo de infância que, na infância, já usava cabelo roxo, a despeito da opinião das freiras, e te aborda, com saudade. Em Dirceu é assim, as pessoas sentem muita saudade. O cara chega todo feliz, faz uns dias que não dorme, e te conta que vinha morando no Timbuktu, onde dividia um apartamento com dois índios apaches e uma engolidora de espadas javanesa, criava iguanas e confeccionava pipas psicodélicas. Esse é o tipo de nego que vem, tomando uma breja na calçada do boteco, depois de fazer um xixi na árvore, para te contar que voltou pra Dirceu porque, “meu, aqui é foda”.

Os cachorros de Dirceu são estranhos. Os gatos, então, nem se fale.

Não é que não haja quem tenha conseguido fugir em definitivo. Há. Mas eles estão lá, distantes, com Dirceu vivendo dentro deles, em Paris, em Belo Horizonte, Panamá City, pensando na esquina da Rio Branco com a Sampaio Vidal.

Eu consegui ficar longe de Dirceu por 13 anos. Fora de Dirceu eu virei adulta, civilmente maior de idade. Fora de Dirceu eu fui normal. Até que um dia, como com todos, Dirceu me cutucou. E cá estou eu, no vórtice.

Quer vir pra cá? Não precisa de visto.

É só começar a economizar hoje mesmo no pó de pirlimpimpim.

Boa viagem.

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