CLÉU ARAÚJO
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1991

por: Cléo Araújo

31 MAR

2011

versão revista e melhorada

Depois do dia mais longo de toda a minha vida, finalmente o capítulo de “Vamp” estava acabando. Eram oito horas da noite. Momento de começar a me arrumar para estar pronta por voltas das dez, que era a hora combinada para a mãe da Cíntia ir buscar a gente.

O guarda-roupa olhava para mim, cara de mau. Eu precisava de alguma coisa que me deixasse linda, mas ninguém é linda aos catorze anos, só a Brooke Shields, então, fiquei com uma mini saia de cotton preta, meia calça fina preta e uma blusa de plush de decote arredondado. Preta, naturalmente, de mangas compridas. Comprei na 775, com a minha mesada. O sapato: um Zeppelin, estava na moda. Comprado na 775, também, mas de presente da minha mãe, embora ela não conseguisse entender por que eu precisava de um sapato que pesava sete quilos. Cada pé.

Depois, o cabelo. Banho com creme de abacate, uma mão cheia de Mousse Studio Line e estava pronta. Era o melhor que dava para fazer. Presilha no bolso, só para garantir. Seria aquela uma noite Samsara? Uma noite Lou Lou? Nenhum dos dois? Resolvi que seria uma noite Colors da Benetton.

A mãe da Cíntia buzinou quando eu dava a última pincelada no delineador. Ficou meio borrado, mas ninguém ia notar no escuro. Certo? Dei stop no master system, que parou bem na hora do “ná ná ná ná ná” de “She’s got the look”.

E lá fomos nós: Cíntia, Renata, Welma e Fábia em direção à Rio Branco, no Monza Classic da Tia Cris, que tinha perdido “O Dono do Mundo” naquele sábado, justamente naquele dia em que Felipe Barreto ia se dar mal.

Cíntia pediu para sua mãe nos deixar a dezessete metros da esquina da rua de baixo, para que não fôssemos vistas descendo de carro de mãe, o que seria um vexame absoluto – apesar de não ser segredo para ninguém de que essa era a única maneira de um bando de garotas de catorze anos serem transportadas na noite da cidade.

_ Cuidado para atravessar. Não tomem nada do copo dos outros, hein. A mãe da Welma vem buscar vocês às 02h00. Não peguem carona com ninguém. Não fumem. Cíntia Helena, a barra da sua saia está dobrada.

Descemos do carro dando risadinhas e subimos em direção à boate. Um calafrio na espinha. É que nenhuma de nós tinha dezesseis anos – idade mínima para se entrar ali em noites de funcionamento regular, ou seja, em noites sem Festas de Quinze Anos. Mas não havia certeza sobre o pedido da carteira de identidade pelo segurança da porta. Era uma roleta russa. Tanto podia acontecer quanto não. Naquele dia, resolvemos correr o risco. Estávamos determinadas. Estufamos o peito e subimos os degraus da entrada principal com a maior cara de dezesseis anos que poderíamos fazer. E deu certo. Entramos incólumes e esperamos para começar a gritar de emoção só depois de já termos nos misturado, longe da visão dos seguranças responsáveis pelo descontrole etário.

A gente era tão esperta.

Todo mundo que existia no mundo estava ali dentro daquele lugar. Paqueras, rivais, melhores amigas, inimigas mortais, caras super velhos de vinte e três anos de idade, enfim, t-o-d-o m-u-n-d-o.

Circulamos devagar, exploramos o espaço e demos uma rápida passada pelo banheiro para a primeira olhada no espelho. Nada havia mudado nos últimos vinte e sete minutos e o delineador borrado estava ali, para quem quisesse ver.

A Rê, depois de muito empurra-empurra no balcão para conseguir uma ficha, pegou um copo de menta com gelo. E foi aí que ele chegou. Com ele estavam o Chuchu, o Esqueleto, o Espiga, o Sucrilhos e o Zóio. Não vimos o Mosca, o que entristeceu um pouco a Fá. Tudo que ela queria era encontrar o Mosca, sua paixão desde a terceira série. Estávamos consolando-a, dizendo que provavelmente o Mosca chegaria mais tarde, depois de dar uns rolês com o maloqueiro do Bituca, quando as luzes começaram a escurecer. Os primeiros acordes de Tchaikovsky anunciaram: a pista ia finalmente ser aberta.

O London Beat arrastou todo mundo para a pista e enquanto eu estava fingindo conversar com as minhas amigas foi que ele, Chuchu, Esqueleto, Espiga, Sucrilhos e Zóio resolveram vir nos cumprimentar. Resolvemos todos ir dançar, aproveitando que tinha começado a tocar Crazy, do Seal. Mas como na sequencia rolou “Set adrift on memory bliss”, uma música lenta – e nós não dançávamos música lenta, era brega – acabamos dando uma debandada. Maldito PM Down!

Nos cruzamos de novo perto dos sofás de couro preto. As meninas continuaram o tour pela boate, ainda em busca do Mosca da Fá, mas ele me segurou pelo braço. Nos sentamos. Já era quase 01h45. Faltavam quinze minutos para irmos embora e a mãe da Welma nunca atrasava. O Mosca não tinha aparecido e eu via a Rê e o Espiga dando uns amassos atrás da caixa de som. Ninguém sabia que o Espiga paquerava a Rê! As outras três estavam perdidas por aí.

Então, ele se decidiu. Moveu seu rosto em direção ao meu. E eu fechei os olhos. Senti que estava inspirando o ar que ele expirava e então ele me beijou. Foi ao som de Jesus Jones que ele pediu para namorar comigo. Eu disse “sim”, claro. Eu amava ele.

Levantamos e começamos a procurar as meninas para reunir todas as caronas da mãe da Welma. Depois que localizamos todo mundo, fomos até a porta. Ele me acompanhou. Antes de sair, ele me deu mais um beijo. Eu estava tão superapaixonada que chegava a dar uma dor no peito.

Lá fora, a mãe da Welma já nos esperava.  Cheguei em casa umas 2h15. Corri para o quarto, mas não consegui dormir. Sentei na cama com a agenda aberta. Já era dia 10 de junho. Nessa página eu desenhei um lindo coração vermelho, com o nome dele no meio, rodeado de coraçõezinhos cor de rosa dotados de asinhas de anjo. Não via a hora de chegar segunda-feira para encontrar com ele no recreio.

E foi assim que o dia mais longo de toda a minha vida se transformou no dia mais feliz de toda a minha vida.

*Os nomes e apelidos constantes desse texto são todos fictícios, não correspondendo a ninguém existente no mundo real. Qualquer semelhança é mera coincidência sonora.

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