CLÉU ARAÚJO
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1991

por: Cléo Araújo

29 ABR

2009

Fiquei ali, observando por horas o guarda roupa, pensando em alguma coisa que pudesse me deixar linda.
Pensei em qual perfume me cairia melhor e em qual par de sapatos me deixaria com um ar mais de “mulher” – não tinha muitos sapatos “mulher” aos catorze anos, mas algum da minha mãe teria de servir. Os trajes: uma mini saia de cotton preta, meia fina preta e uma blusa de plush de decote arredondado. Preta, naturalmente. E de mangas compridas. O sapato, embora tenha tentado calçar um par com saltinho da minha mãe, acabou sendo um da Zeppelin que, apesar de baixo, estava na moda.
Depois, o cabelo. Banho com creme de abacate e secador para não sair de casa pingando. Era o melhor que dava para fazer. E, naquela época, era o suficiente.
E lá fomos nós, eu e mais quatro amigas, por cujas casas minha mãe peregrinou até que a entourage toda estivesse completa.
A porta da boate (era assim que esses estabelecimentos com gelo seco, música alta, carpete vinho e empurra empurra se chamavam) nunca tinha estado tão perto.
Pedi para minha mãe nos deixar a cinco metros da esquina da rua de baixo, para que não fôssemos vistas descendo de carro de mãe, o que seria um vexame absoluto – apesar de não ser segredo para ninguém de que essa era a única forma de um bando de garotas de catorze anos serem transportadas na noite da cidade.
_ Cuidado para atravessar. Cuidado vocês todas. Não tomem nada do copo dos outros, por favor. Venho buscá-las às 02h00. Não peguem carona com ninguém. Não fumem.
Descemos do carro e subimos em direção à boate. Um calafrio na espinha…
Nenhuma de nós tinha dezesseis anos – idade mínima para se entrar ali em dias de funcionamento regular. Mas não havia certeza sobre o pedido da carteira de identidade pelo segurança que ficava na porta. Era uma roleta russa. Tanto podia acontecer quanto não. Naquele dia, resolvemos correr o risco. Estávamos determinadas. Estufamos o peito e subimos os degraus da entrada principal com a maior cara de dezesseis anos que poderíamos fazer. E deu certo. Entramos incólumes e esperamos para começar a gritar de emoção só depois de já termos nos misturado com a pequena aglomeração de pessoas que encontramos longe da visão dos seguranças responsáveis pelo descontrole etário…
Como a gente era esperta!
Todo mundo que existia no mundo estava ali dentro daquele lugar. Paqueras, rivais, melhores amigas, inimigas mortais, caras super velhos de vinte e três anos de idade, enfim, t-o-d-o m-u-n-d-o.
A competição pairava no ar. Entre as amigas, certa democracia: o paquera era de quem o tivesse visto primeiro. Do lado de fora da turma, era a selva sem lei.
Circulamos devagar, exploramos o espaço e demos uma rápida passada pelo banheiro para uma olhada no espelho. Nada havia mudado nos últimos vinte e sete minutos. O batom continuava igual e o delineador também.
O tempo parecia não passar… Até que, finalmente, ele chegou.
E não chegou sozinho. Com ele estavam o Chuchu, o Esqueleto, o Espiga, o Sucrilhos e o Zóio. Não vimos o Mosca, o que entristeceu um pouco a Cibele. Tudo que ela queria era encontrar o Mosca, sua paixão desde a sexta série. Estávamos consolando Cibele, dizendo que provavelmente o Mosca chegaria mais tarde, depois de dar uns rolês com aquele maconheiro do Bituca pela cidade, quando as luzes começaram a escurecer. Os primeiros acordes de Tchaikovsky anunciaram: a pista ia finalmente ser aberta.
O London beat e o seu “hey ey ey ey yeah” inconfundível arrastaram todo mundo para o centro e enquanto eu estava fingindo conversar com as minhas amigas foi que ele, Chuchu, Esqueleto, Espiga, Sucrilhos e Zóio resolveram vir nos cumprimentar. Resolvemos todos ir dançar, aproveitando que tinha começado a tocar Crazy, do Seal. Mas como na sequencia rolou “Set adrift on memory bliss”, uma música lenta – e nós não dançávamos música lenta, era brega – acabamos dando uma debandada. Maldito PM Down!
Nos cruzamos de novo perto dos sofás de couro preto. Minhas amigas continuaram o tour pela boate, ainda em busca do Mosca da Cibele, mas ele me segurou pelo braço. E eu fiquei.
Nos sentamos. Já era quase 01h45. Faltavam quinze minutos para eu ir embora. O Mosca não tinha aparecido, mas eu via Cibele e Espiga dando uns amassos atrás da caixa de som. As outras três estavam perdidas.
Então, ele se decidiu. Moveu seu rosto em direção ao meu. E eu fechei os olhos. Senti que estava inspirando o ar que ele expirava e então ele me beijou. Foi ao som de Jesus Jones que ele pediu para namorar comigo. E que eu disse “sim”.
Levantamos e começamos a reunir as minhas caronas. Ele me acompanhou até a porta, me deu mais um beijo e eu fui para casa.
Não consegui dormir.
Sentei na cama com a agenda aberta no dia 10 de julho.
Foi nessa página que escrevi o que um dia se transformaria nesse texto.
Foi nessa página que desenhei um lindo coração vermelho, com o nome dele no meio, rodeado de coraçõezinhos cor de rosa dotados de asinhas de anjo.

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