CLÉU ARAÚJO
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Absolutamente lost!

por: Cléo Araújo

30 JUN

2005

Quem acompanha a série Lost, exibida pelo canal a cabo AXN às segundas-feiras, às 21h, além de ter adquirido um novo vício sabe que ficar perdido numa ilha bizarra, depois de ter sofrido um acidente macabro de avião, não é das experiências mais agradáveis pela qual um ente pode passar.

A vida pode ficar muito difícil numa ilha deserta. Principalmente se a sua idéia de uma ilha deserta for aquela de “A Lagoa Azul”. Não, não, nada disso… Numa ilha deserta no estilo Lost você tem que guardar garrafas de água descartáveis para encher com água de uma bica que encontrou no meio da mata, tem que tomar conta da sua jangada pra que ninguém ateie fogo nela na calada da noite, tem que passar o resto dos dias sem uma gotinha de álcool, tem que comer javali selvagem, tem que dormir ao relento, tem que morrer de medo de ser assassinado por habitantes estranhos (que não os que caíram junto com você do avião) e ainda ficar na dúvida: será que isso tudo é real ou na verdade eu morri e isso aqui é o limbo?

Não é uma vida fácil. Nem uma morte fácil, caso seja essa a situação. Mas a gente tem que saber como sobreviver e como sobremorrer. Esteja a ilha onde estiver.

A primeira coisa que eu faria se fosse uma das 48 pessoas que sobrevieram à queda do avião seria amizade com o Locke. O Locke é o quarentão (ou seria cinqüentão?) careca mais macho da ilha, uma espécie de G.I. Joe, de Indiana Jones. Maneja facas, facões e peixeiras como ninguém. Impõe respeito até em urso polar (eu mencionei a bizarrice da ilha, certo?). Eu ficaria grudada nele. A qualquer sinal de perigo, era ele quem eu queria ver ao meu lado. Sereno, parece estar sempre à frente de todo mundo no que diz respeito aos mistérios da ilha. Ele sabe de algo que ninguém mais sabe. Além do que, é ele quem garante churrasco de javali pra galera toda. Na verdade, ele não é bem um G.I. Joe. Ele é uma espécie de Deus.

Se você fosse um habitante da ilha de Lost, teria poucas coisas com as quais se distrair. Você poderia jogar golf com pedras ou ouriços do mar, poderia decifrar mensagens de mulheres francesas que estão sendo repetidas há 16 anos, poderia encontrar as mesmas mulheres francesas da mensagem em trauma, vivendo em buracos que parecem as casas da galera de Mad Max, poderia se juntar ao Locke e ao Boone para caçar javalis, poderia brincar com o cachorro do filho do Michael, poderia ajudar o Michael a construir uma jangada ou… Poderia sentar-se na areia da praia e ficar observando Sayd, o homem mais tudo da ilha de Lost.

Jack? Que Jack que nada. Jack é o médico que ganhou a fama de ter salvado todo mundo, é o líder, o cara que resolveu sair da praia e morar em uma caverna segura na floresta, perto da água doce e potável, longe dos perigos abrigados pela estranha vegetação do local. É até machão, mas nada se comparado ao Locke. E quem iria querer ficar com o líder? É claro que ele vai ficar com a mocinha-anti-heroína-de-boca-grossa. Eu não. Minha atenção seria toda do Sayd.

Mas quando a minha certeza acerca dos atrativos de Sayd, o Iraquiano que tem as qualidades do Locke, mas que, além disso, tem um sex appeal do caramba, sofri um golpe do destino. Ele foi se engraçar justo com a Shannon, uma loirinha patricinha que mantinha uma estranha e incestuosa relação com o irmão postiço (que também é bonitinho, mas que se não fosse pela influência de Locke, seria o mauricinho mais sem graça da ilha).

Será que um Sayd se engraçaria mesmo com uma Shannon? Um cara que foi combatente na guerra do golfo, que viveu emoções e paixões no deserto, que teve a missão de dar cabo da vida da mulher que amava, que sofreu as dores da guerra, veria graça na Shannon? A gostosona SOS Malibu clássica? A americana clássica? Será? Um iraquiano? Veja bem… Mas essa inverossimilhança não impede que a vida na ilha caminhe. E de repente, sei lá, o fato do cara ser homem e estar preso numa ilha até justifique essa relação american/iraquian. Mas para mim, serviu para uma reflexão.

A vida na ilha de Lost, no final das contas, acaba se revelando algo muito parecido com o que é se viver numa ilha urbana. Nesta última, a diferença é que você não precisa caçar javalis. Se quiser comer esse tipo de carne, se dirige ao rodízio completo mais próximo. E você não precisa pegar água na bica, é verdade. Mas o resto é muito parecido. E não é à toa que às vezes eu fico me sentindo absolutamente Lost nesta ilha. Essa aqui, da cidade mesmo, de São Paulo, do Brasil, do mundo. O mundo é a minha ilha de Lost no universo. Ficamos perambulando por aí, esperando que o resgate chegue para que a nossa vida possa começar logo.

E eu não consigo achar o meu Sayd. E se todos, todos os Sayds do mundo estiverem mesmo interessados em encontrar as suas Shannons? Eu não tenho o meu Locke, aquele que me acende a luz no fim do túnel, que me dá conselhos e me incentiva a começar a viver a minha vida.

Nesse caso, talvez seja mesmo melhor acreditar que isso tudo é o limbo. E que o paraíso espera. Enquanto isso, só me resta mesmo procurar um Sawyer, que me dê uns goles de vodka, porque foi esperto e surrupiou as bebidas do carrinho do avião. Pelo menos enquanto o resgate não vem, a gente vai se embriagando.

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