CLÉU ARAÚJO
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Alguém como você

por: Cléo Araújo

17 OUT

2006

Eu tentei aprender a ser assim, como você.

A não argumentar demais, a saber que às vezes o pouco é o suficiente e a compreender que a insistência é a mãe de todas as chatices humanas.

Eu tentei, tentei ver o seu lado, tentei entender os seus pontos de vista, arrisquei-me a me apaixonar pelas suas manias enfadonhas, como o leite com chocolate de manhã e a raquete de tênis jogada no chão do quarto.

Eu arrisquei, arrisquei meus beijos na sua nuca nua, me entreguei aos seus caprichos mimados de filho caçula, tentei comer salada de carpaccio, tentei gostar de futebol, de cerveja sem álcool. Eu fui a uma loja de material de construção em um sábado à tarde, um sábado de sol, porque você precisava de um chuveiro novo e de uma borrachinha para porta do seu quarto não machucar a parede.

Eu não tinha um chuveiro novo, nunca havia ido até uma loja de material de construção para comprar uma borrachinha para minha porta, mas por você eu fui, eu tentei, eu estava prestes a mudar e a fazer um cartão da C & C.

Quando eu lhe dizia ‘meu amor, eu não sei ser assim, desculpe, eu só sei ser igual, igual a mim, com todos os meus defeitos e falhas, não, desculpe, mas eu não sei ser assim, diferente de mim ou igual a você’ você dizia que me amava do jeito que eu era.

E como eu ainda era eu, eu achava que era mentira.

Um dia, quando amanheci em você, descobri, epifania de mulher apaixonada, que aquilo sim deveria ser eu.

Ser eu era estar ali, em seu peito, com meus dedos sobre sua barba mal feita e ouvindo a sua respiração.

E foi então, quando tudo estava certo, quando você havia me vencido, e quando eu já conseguia, espontaneamente, me contentar com pouco, não ser insistente, tomar leite com chocolate, jogar tênis, comer carpaccio, assistir o Brasileirão, freqüentar a Leroy Merlin, comprar cerveja sem álcool… Que você resolveu se mudar.

Você resolveu se mudar de mim, se mudar de novo, se mudar de vida, e eu fiquei ali, tomando Kronenbier e maldizendo uma porcaria de uma bandeja de carpaccio. Eu fiquei com o que não era meu, não era eu. Aquilo era você. Era você por todos os lados.

E foi ruim porque tudo aquilo já estava inserido em mim, encravado em mim.

E eu fui forçada a voltar a ser eu, exatamente igual a mim antes de você aparecer.

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