CLÉU ARAÚJO
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Auto-previsões

por: Cléo Araújo

10 JAN

2007

Chego em casa.

E tudo aqui parece que ficou me esperando uma vida inteira.

O ano já é outro. O tempo passou.

Jogo o fundo de um champanhe velho e sem gás pelo ralo. Com ele, escorrem as minhas ingênuas expectativas sobre o que seria esse começo de ano. Escorre a vida que fingiu que ia começar, lá, há milênios, ainda naquele ano de 2006.

Vida velha, vida sem gás.

Chove.

Abro uma revista feminina, dessas porcarias do mês de janeiro, e nada do que está escrito sob o signo de gêmeos me anima. É sempre o mesmo blá, a mesma balela, a mesma leitura, que só é útil em sala de embarque.

Puxo, então, um bloco de anotações, num rito que se repete todo ano, no qual estabeleço para mim mesma as metas a serem cumpridas nos próximos trezentos e poucos dias…

Mas, mudo de idéia.

Começo a testamentar, eu mesma, meu futuro para o ano. Se é para prever a minha vida, que seja eu mesma que o faça!

Num exercício quase neurolinguístico desenho, de próprio punho, o que deve estar por vir…

“A saúde seguirá boa, especialmente a física. Um dia, pela manhã, em meados de fevereiro, eu descobrirei que nasci para correr. Correrei primeiro durante cinco minutos, mas em menos de sete dias conseguirei manter o ritmo em corridas de até quarenta minutos, sem avermelhar as bochechas. Depois de algumas semanas de treino, perceberei, aos poucos, que minha bunda está deveras mais rígida e que a protuberância abdominal se foi para sempre.

“No campo do trabalho, mudanças. Prevejo novos ares soprando sobre minha rotina. Novos caminhos pelas manhãs e finais de tarde, novos faróis, novos engarrafamentos, novos restaurantes por quilo, novos bares de happy hour.

“Prevejo uma viagem latina para épocas de carnaval. Em minha bola de cristal mental, algumas cidades se confundem. Vejo Havana, vejo Montevidéu. E uma companhia inesperada embarcando comigo em uma dessas aventuras, cujo destino só irei estar pronta para definir no começo do próximo mês. É que aí já estarei com a bunda rígida e com a protuberância abdominal perdida para todo sempre, o que fará qualquer decisão ser tomada com maior segurança.

“Irei completar trinta anos. Não vamos mentir para nós mesmas, certo? Claro que isso fará pairar sobre mim uma sensação de vida passando, de tempo se acumulando, de juventude perdida e de rugas (cada uma com um nome?) desenhadas sob meus olhos… Mas antes mesmo que chegue a data do meu aniversário, estarei, mais uma vez, subindo em outro avião. Este vai cruzar o Atlântico.

“Vou aprender espanhol. Terei uma facilidade poliglótica para me adaptar ao idioma e em três semanas você poderá jurar que eu estudei a língua desde criancinha (conquista facilitada pela temporada em Havana e/ou Montevidéu?).

“Vou passear pela Espanha sozinha, dona da minha vida e do meu futuro.

“Quando estiver em Córdoba, vou conhecer esse moço, o “Danilo”. Moreno, olhos castanhos, cílios longos, adora rum e frutos do mar. Vamos nos conhecer em um restaurante que lhe pertence.

“Ficaremos muito amigos e ele, de tão lindo, meigo e simpático, irá me acompanhar em algumas viagens dentro da Espanha.

“As chances de eu me apaixonar por “Danilo” são grandes, mas maiores ainda são as chances de “Danilo” se apaixonar loucamente por mim, e disso eu solicito que o destino, por favor, faça questão.

“No dia de partir para Paris – sim, Paris, onde ficarei por uma semana antes de embarcar de volta para o Brasil – me surpreenderei quando avistar “Danilo”, naquela antiga ‘cena de aeoroporto’ que me persegue o inconsciente. Ele terá resolvido embarcar comigo para Paris, e dirá, coisa que eu levarei um tempo para acreditar, que “só quer estar onde eu estiver”.

“Voltarei para o Brasil no dia do meu aniversário. Não vou nem lembrar dos trinta anos nessa ocasião. E ainda terei aí metade do ano pela frente…

“Nessa época, começarei a sondar algumas editoras na tentativa de publicar as crônicas preferidas. Acabarei conseguindo uma em setembro. Pequena, mas que vai me propor um bom preço pela impressão de um número razoável de exemplares. E vocês vão ter que ver a capa do livro: sensacional!

“No começo de novembro, farei uma pequena festinha para autografar os livros num evento para os amigos. Durante o coquetel (no qual servirei champanhe rosè em homenagem explícita às “rosuras” do site) perceberei que a maioria dos presentes já foi, de alguma forma, inspiração para os escritos. Lá estará aquele ex-amor, que tanto me perturbou o sono, e com quem até hoje eu me atrevo a sonhar, quase que como num exercício de introdução à criatividade… E aquele outro, um quase-amor, que partiu de mim, parecendo preferir que nunca houvéssemos existido.

“Mas 2007 será um ano de estar feliz.  ”Danilo”vai  chegar ao Brasil. Sim, ele virá para o final do ano. Mas a nossa história só poderá ser concluída em 2008. Estou quase morrendo de curiosidade para saber onde tudo isso vai parar, mas infelizmente não consigo e não me atrevo a prever designios tão distantes.

“Chegará o fim de 2007. Já será quase 2008. E enquanto isso, o mundo continuará a girar. E as outras vidas irão ficando, uma a uma, para trás. Transformando-se em idéias para histórias vindouras. E em aprendizado para futuras, realistas e mais acuradas previsões.”

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