CLÉU ARAÚJO
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Chardonay

por: Cléo Araújo

19 OUT

2012

Todos meus amores se foram, assim. Sem ficar. Como devem ir, enfim. Indo.

Coisa ou outra, guardei. Muitas, joguei fora num 7 de setembro de 2000 e qualquer coisa, vasculhando agendas velhas, rosas secas e bilhetes borrados. Porque eu guardei, porque eu guardo. Porque vou guardar sempre. Guardar é algo que faço, gosto e serve.

Num canto qualquer da memória, vi, ali, jogado, tanta coisa que amei. Coisa com nome, sobrenome e placas de carro com letras e números. Vejo-me pouca, quase inteira de tão aos pedaços.

Lembro-me de quase tudo que fiz força para não esquecer. Quase tudo.

Música, bebida, textura e luz. Ou a falta dela. Elevadores parados, horário de verão e catchup, só porque combina.

Intensamente, estranhamente, quem passou mais rápido parece ficar mais tempo sob a pele, um chip desajustado sob a pele, ao mesmo tempo cravado fundo e à sua flor.

Canto desafinada uma letra sem melodia. Cantar é algo que faço, gosto e serve. Canto uma melodia sem sentido que só diz o que pensei, o que senti e o que fui. O que fui, tempos depois, tanto tempo depois, tentando resumir o que sou.

Assei um bolo de Fanta, lembra? Com cobertura de coco ralado. Mandei flores para mim, com caixa de bombom. Saí de um show na metade, rodei 6km de bike aos 13, cruzei o Oceano aos 20 e pouco, fui mal na prova de física no 1º , fiquei de exame de Constitucional no 2º , escrevi cartas aos 13, 18 e 22, emails aos 19, 26 e 30, contei histórias ontem, hoje, agora há pouco, inventei receitas na cozinha, na cama e na piscina. Dormi com o celular no travesseiro, chorei na fronha cor-de-rosa da Tok Stok, ri feito idiota no cinema e no boteco, tive insônia em Paris e em Marília, dormi em Nova York, dormi em Budapeste, sonhei, abri um Chardonay, ouvi Moby nos Jardins, comi Sushi, cantei no Karaokê e comprei um batom. Tomei multa na Washington Luis, cantei Norah Jones, ouvi Sarah Machlachlan no avião, mandei cartões postais, escrevi uma crônica romântica, outra ridícula, arrumei uma cadela, pedi demissão, fiz revisão no carro, entendi o inexplicável e não expliquei o óbvio.

Abri uma taça de vinho e acendi um cigarro. Tantas vezes cheia de culpa. Dormi sem sono sob uma luz de vela derretida sem culpa nenhuma. Incêndios, implosões, edifícios em ruínas, eu, aqui.

 Todos meus amores se foram, assim. Sem ficar. Como devem ir, enfim. Indo.

E eu fiquei. Cheia de coisa para amar. Feliz.

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