CLÉU ARAÚJO
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Como estou dirigindo?

por: Cléo Araújo

14 MAI

2009

A gente deve saber que a coisa não vai bem quando um playboy numa Mercedez Kompressor gruda na bunda da gente dentro do túnel da avenida Nove de Julho. Na bunda do carro, claro, porque senão, até que a coisa não estaria indo tão mal assim. Ali, diante da Mercedez Kompressor e de seu motorista playboy e apressado, e mesmo sabendo se tratar aquele de um típico e clássico caso de pênis diminuto, a gente percebe que a coisa não vai bem, não. E que, além disso, a gente está a quase 80 km/h dentro de um túnel no qual o limite de velocidade é de 60 km/h. A gente até daria passagem pro playboy, mas, infelizmente, não dá. Trata-se de um túnel cheio de carros. E aí, eventualmente, a gente freia. E a gente deve saber que a coisa não vai bem quando um playboy de pinto pequeno, numa Mercedez Kompressor, dá um totó na traseira do carro da gente, que vale 10% do que vale o dele. E ele sai ziguezagueando entre carrinhos de catadores de papel, ônibus biarticulados e taxis que descarregam velhinhas no meio fio. Tudo para se desvencilhar de você, que deve ser uma puta de uma azarada para quem a coisa não deve estar indo muito bem.
Mas poderia ser pior.
Como quando um carro de firma – desses com dois caras dentro e uma escada de eletricista de poste no bagageiro – fecha a gente numa avenida de grande movimento, a despeito do adesivo gigantesco que jaz no seu vidro traseiro “Como estou dirigindo?”. Pergunta retórica. A gente deve saber que a coisa não vai bem quando resolve ligar para uma central de “Como estou dirigindo?” a fim de delatar um piloto descuidado. Mas, como a coisa não vai bem, a gente resolve que é melhor não se identificar, para não correr o risco de sofrer represálias. Mas aí, sem a identificação do reclamante, a gente sente que a denúncia vai sendo calma e lentamente deletada, letrinha por letrinha, pelo “Esc” do teclado da atendente. Sinal de que a coisa não vai bem, não. Mas… Poderia ser pior…
Como quando uma Kombi velha, cheia de alface e sem vidro traseiro, encosta no seu carro. Mas, diferentemente da Mercedez Kompressor, ela não dá um totó atrás. Dá um totó na frente. Vai descendo, descendo, e mesmo com toda buzina que você aciona, ela escorrega até se escorar no seu carro, que estava imóvel. A gente deve saber que a coisa não vai bem quando começa a pensar que circulam por aí Kombis sem freio de mão e mais enferrujadas do que aquelas azuis do Projeto Dharma. A gente deve saber que a coisa não vai bem quando uma Kombi dessas – que definitivamente foi fabricada antes de 2003 – não precisa passar pela inspeção veicular do DETRAN. Ou seja, a lata velha vai continuar escorregando ladeira abaixo com suas alfaces por muitos e muitos anos, durante os quais ela pretende também poluir o ar com sua fumaça preta o máximo que puder entre o CEAGESP e o Mercadão Municipal. Mas poderia ou não poderia ser pior? Poderia…
Como quando, no meio do congestionamento do retorno do feriado, um caminhão tanque resolve cortar todo mundo pelo acostamento em uma rodovia de duas pistas. E em obras! Ou quando se toma quatro multas por excesso de velocidade em um mesmo radar, num ponto onde o limite sempre foi de 70 km/h, mas que recentemente, e à sua revelia, passou para 60 km/h. A gente, pra quem a coisa não vai bem, estava a 71 km/h, claro. 1% a mais do que os 10% tolerados pelo radar. Isso é coisa que certamente não aconteceria com o playboy da Mercedez Kompressor, com o cara do carro de firma ou com o tio da Kombi de alface – porque para eles, a gente sabe, a coisa vai bem. E eu que pensei que ninguém se importasse em saber como estou dirigindo, descubro. O DSV está muito interessado em saber como eu estou dirigindo.
A gente deve saber que a coisa não vai bem quando um boliviano de cabelo meio loiro, meio preto, do outro lado da avenida, derruba seus malabares em cima do capô do nosso carro, que aguardava pela abertura do semáforo a cerca de 20 metros de onde o rapaz fazia sua demonstração de falta de habilidade.
Bom, a coisa está estranha mesmo, mas dos males, o menor.
Porque quando a coisa não vai bem, meu amigo, a chance daquele ser um malabares com labaredas fumegantes era grande.
E aí, a gente quase agradece.
Que a coisa não vai bem, não vai…
Mas que poderia ser pior… Ah, poderia…

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