CLÉU ARAÚJO
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Cutucos críticos

por: Cléo Araújo

07 JUN

2010

Tem coisa que dá mais gosto de fazer nessa vida do que pegar no pé? Eu, por exemplo, sou uma pegadora de pé oficial de erros de português. Talvez até porque eu os cometa com certa frequência (verdade seja dita, sou meio debilitada quando a “questã” é ortografia), parece que meu radar apita toda vez que me deparo com aqueles erros crassos, assim mesmo, com dois esses.

Pois ontem acabei de ler o novo livro de Nick Hornby “Juliet, nua e crua”, que recomendo muito. Sou fã do Nick. O Nick é genial. O maior na categoria cultura pop e literatura. Mas lá pelos últimos capítulos, vi meu cabelo arrepiar quando li um grande e sonoro “beringela“. Assim mesmo, com “gê” (e olha que nem o corretor do Word me permitiu escrever essa palavra). Hoje, peguei no pé. Escrevi um email respeitoso para editora, indicando o erro, não para espezinhar, mas porque acho que o Nick merece uma edição em português à altura do que ele publica em inglês. Só isso.

Mas cá entre nós, e verdade seja dita de novo: difícil pensar em um trabalho mais complicado de se exercer do que o de um crítico.

Pode ser que você nunca tenha pensando nisso, mas consideremos: de Rubens Ewald Filho a Anton Ego (o crítico gastronômico de Ratatoiulle, para quem não lembra), passando por Diogo Mainardi e Antonio Salieri, falar do trabalho de outra pessoa, seja ela ou não atuante no mesmo segmento que o seu, exige desprendimento, sangue frio, conhecimento e, acima de tudo, ausência total do ingrediente despeito. E isso é tarefa para poucos.

Há quem diga que o crítico nada mais é do que alguém que queria ser, mas que não foi. E pelas mais diferentes razões e motivações que levam alguém a ser alguma coisa nessa vida: um frustradão estilo clássico.

O crítico de moda seria, então, o estilista frustrado. O literário, o escritor que nunca passou da primeira página. E o gastronômico, numa reflexão extraída mais uma vez de Ratatouille, e segundo o crítico (já que estamos falando deles) de cinema Celso Sabadin, para Cineclick do UOL:  “…Anton Ego, um implacável crítico gastronômico, diz que a pior das porcarias já produzidas num restaurante é superior à melhor das críticas.” Se fôssemos criticar o roteiro e a direção de Brad Bird, poderíamos dizer: “perfeito, embora utópico.” Porque é assim que tem que ser. Elogios, vindos de um crítico, precisam desse tempero do “bom, mas…”. Senão, a coisa perde a graça.

Foi pensando sobre essa tarefa da crítica bem feita e ideal que eu me debrucei sobre esse texto. Parei para refletir, por exemplo, sobre os comentários odiosos e amorosos do último episódio de Lost. Houve quem amasse, houve quem nada entendesse, houve quem odiasse até a morte; ou sobre as músicas da Lady Gaga, o último filme de Woody , a beleza de Megan Fox e o papel e a durabilidade do Twitter no médio prazo (vale ler a matéria publicada pelo Meio e Mensagem em 31 de maio, por Andrea Martins “O Twitter que saiu pela culatra”). Mas fato é que discutir gosto numa mesa de bar com os amigos é muito diferente de publicar uma ideia com um “q” profissional sobre alguma coisa.

Hoje, num mundo no qual somos todos editores da vida – em blogs, perfis e tweets (pelo menos no curto prazo, diriam os céticos) – fato é que nos transformaremos, em algum momento, ora em críticos, ora em criticados. No caso da música erudita, por exemplo. Antonio Salieri, o invejoso mais famoso da história (o que teve o azar de ter Mozart como o calo no seu pé). O cara compôs dezenas de óperas e foi professor de ninguém mais, ninguém menos, do que Beethoven, veja bem.  Mas enquanto Mozart é um dos nomes mais conhecidos do mundo e sua obra é reconhecida como uma das mais brilhantes coisas feitas em todos os tempos, o de Salieri ficou vinculado à frase que ele haveria proferido: “Eu matei Mozart. Eu matei Mozart”. Ninguém sabe se ele falou isso mesmo. De qualquer maneira, não há dúvidas de que um crítico precisa lidar muito bem com a culpa. Fardo pesado…

O importante, talvez, seja levar a opinião do outro, seja ele um crítico ou não, como um incentivo para o crescimento.

E, claro, lidar com tudo isso com classe.

Afinal de contas, opinião todo mundo tem. Agora, estilo, é coisa para poucos.

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