CLÉU ARAÚJO
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Daqui a quatro anos

por: Cléo Araújo

04 JUL

2006

Só sei que o último final de semana foi o primeiro dos próximos quatro anos. Completamente comprometido por aquele ar de tristeza que pairava pesado, coitado, ele começou com um sábado que sufocou milhares de cornetas, tornou sem razão uma dimensão incontável de rojões e calou centenas de apitos natimortos. Aos 44 do segundo tempo, sem prorrogação, sem pênalti, sem nada, cada um enfiou a sua bandeirinha nova na sacola, passou na Blockbuster e fingiu não possuir canais de esporte no seu pacote da TV a cabo. Noite escura.

Domingo o dia amanheceu frio, cinza, molhado. E eu não tinha energia elétrica no meu bairro. Brinquei de morar em “A Vila”, com celular descarregado, telefone fixo mudo (ele precisa de energia elétrica para funcionar), 12 andares entre mim e o chão, sem TV, sem rádio, sem música e sem Copa, em todos os mais detestáveis sentidos, a animação era a mesma dos personagens que dão nome ao triller . Fiquei mais de três horas ali, no escuro. O jornal impresso, felizmente, ou infelizmente, jazia choroso e dolorido na minha soleira. Podia prever a manchete: “O Brasil chora”; “O sonho acabou”; “A França. De novo!”. E eu pensava simplesmente “ alle ”, porque a vida, afinal, continua.

Enquanto meus olhos passeavam pelas páginas do periódico, minha mente racionalizava o significado do que estava acontecendo, na real. A semana iria começar e eu não mais poderia sair do trabalho às duas da tarde em plena quarta-feira. Aí sim eu culpei o Parreira, o Zagallo, o Roberto Carlos, aqueles malditos. Do apagão à chuva, da permanência no escritório até às oito da noite nessa quarta-feira ao frio daquele domingo de inverno. Tudo culpa deles. Egoístas, destruíram todos os meus planos a curto prazo.

Eu nunca lidei bem com essa coisa de ficar de fora. É muito triste ficar de fora de alguma coisa. E pior do que isso é ter que saber que agora o próximo grande evento de comoção nacional é… Eleição. E eu vou ter que trocar a camiseta canarinho pela carapuça de mocinha politizada e chata de esquerda. Vou ter que torcer pra Portugal, gritar “Figo! Figo! Figo!”. Que cazzo é esse?

O triste é que vai demorar mais quatro anos para gente ouvir o som das cornetas irritantes novamente. E sabe o que é o pior dos piores de tudo? É que quando chegar lá eu vou estar com 33 anos. A idade do Roberto Carlos, o Matusalém dos campos.

Daqui a quatro anos, tudo vai estar diferente. Três filmes diferentes vão ter ganhado o Oscar, muitos terão se casado, outros terão tido bebês, muitos mudarão de emprego, comprarão carros, venderão casas, terão alergia a frutos do mar, ganharão na loteria, enfim. Tudo vai ter mudado.

Será? Será mesmo? Só sei que eu errei. E na minha última previsão de futuro, previ tudo errado. Deu tudo errado. Eu sei. Mãe Diná de uma figa… Sim, é verdade, eu me revelo. Eu me retrato sim. Não manjo nada. Mas também, quem haveria de prever…? Pelé?

E a Itália acabou de ganhar da Alemanha.

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