CLÉU ARAÚJO
Crônicas Contos Aforismos Fatos Invenções

Esses românticos inveterados

por: Cléo Araújo

08 AGO

2006

Missão número 1: estar apaixonada. Convenhamos, essa sim é uma tarefa difícil hoje em dia, nesse mundo cheio de pessoas desinteressantes, paranóicas e carentes. Mas, suponha que você conseguiu! Está sim, nas nuvens, suspirando, suando frio de ansiedade paixonesca!

Missão número 2: saber se ele está apaixonado. Convenhamos número 2: essa também não é lá uma tarefa muito fácil. Não quando jogos pouco espontâneos e estratagemas antinaturais regem os relacionamentos, especialmente esses mais recentes. Mas você tem indícios de que sim, ele também mostra sinais de paixonite! Está rolando um feedback.

Só então, com essas duas missões cumpridas, é que a gente pode começar a se dar o direito de ser um pouquinho romântica. Antes disso, só rola uma prévia muito xumbreguinha do quão romântica você tem potencial para ser, mas nada muito elaborado nem concreto, para o tiro não sair pela culatra.

Um romantismo razoavelmente elaborado não precisa se traduzir em ingressos para La Traviata , nem tampouco em serenatas com notas medievais e chuva de pétalas de rosa, mas pode sim ser aquele que motiva a desengavetar os sais de banho, a colocar em uso aquelas lingeries inéditas, a se lambuzar em óleos afrodisíacos outrora em ostracismo, a se enjoar de tocar aquelas músicas especialmente selecionadas para ouvir a dois, a explorar lugares novos, a re-explorar lugares antigos, fazer surpresas, quebrar tabus, proferir revelações ao pé do ouvido, ser sensual, enfim… Cabe à criatividade romanesca de cada um. Mas é para conseguir fazer tudo isso funcionar de fato que começa a parte trabalhosa da história.

Como assim, por quê? Porque um clima romântico não é algum tipo de meta que se cumpra sozinho, porque você quer e pronto. Podemos ser um poço de romantismo, quiçá incorporar Álvares de Azevedo, mas de nada isso vai adiantar se a pessoa com quem se está contracenando não se encontrar na mesma sintonia. Como diz o ditado, It takes two to tango, baby . Senão, ninguém passa de Bocage: fica todo mundo preso na fase pré-romântica mesmo.

Hipótese: que fazer se o seu mocinho não está no clima? Se ele não parece ligar para aquelas velas acesas pela sala, se ele não faz questão de viajar para Monte Verde e se ele ignora seu sutiã com alças decoradas com vitrilhos multicoloridos? Dizer “Olha aqui, meu amigo, eu comprei esses sais de banho e acho bom a gente descolar logo uma banheira antes que eles expirem o prazo de validade”? Ou sair se despindo para que ele veja a sua lingerie carésima, frisando bem claramente “linda ela, não? Pois é, paguei 500 reais nesse retalho!”. Óbvio que não! Esse é o fim do romantismo antes mesmo dele ter começado. Ou seja, ter um timing romântico é tudo nessa vida realista de meu Deus.

Eu descobri que precisava ser romântica uma vez. Isso estava soterrado dentro da minha alma, precisava dar vazão àquele excesso de informação incutido em minha mente pelo maldito do Hugh Grant, do John Cusak e de toda essa galera. E fui lá e dei vazão. E me dei mal. De romântica, regredi uns sete séculos na história e me senti em pleno Trovadorismo, o próprio eu-lírico feminino das Cantigas de Amigo, que chora a ausência do amado no ombro da mãe, da irmã ou de um passante qualquer.

Se esse romantismo que a tantos faz falta pode ser mal entendido por uns e outros, melhor então segurar a onda. Guardar os sais na gaveta, botar as lingeries sexy para bater no dia-a-dia, assistir à final da Libertadores ao invés do filme novo da Sandra Bullock com o Keanu Reeves. Assim a necessidade romântica não morre, mas fica fraquinha, passível de voltar a queimar com um simples sopro, se esse for o caso. Afinal, a vida sem romantismo é realmente muito chata! Eu sei. Eu lembro.

Deixe seu Comentário

Aviso: A moderação de comentários está habilitada e pode atrasar seu comentário. Não há necessidade de reenviar seu comentário.