CLÉU ARAÚJO
Crônicas Contos Aforismos Fatos Invenções

Eu + eu + eu Uma mistura pouco simbiótica

por: Cléo Araújo

10 JAN

2007

Todo mundo tem um jeito melhor, um caminho menos tortuoso, uma fórmula mágica, uma estratégia para conseguir as coisas que se quer, de uma vez por todas, e ponto.

Mas ninguém consegue me ajudar. Nem eu mesma.

Não estou falando de ganhos materiais, de uma viagem para Cornuália, de um prêmio literário, de um casamento no castelo de Chantilly ou de uma prole com a cara da Gwyneath Paltrow com o Brad Pitt.

Estou falando de uma coisa muito mais simples e talvez até por isso muito mais rara: a tentativa de me completar.

Eu faço assim – primeiro eu uso a estratégia sugerida pela minha irmã – certeira, direta, sem nhém-nhém-nhém.

Não funciona, não é minha cara. Eu sou uma pessoa que dá voltas, que cuida para não dizer coisas das quais possa se arrepender depois. Porque eu me arrependo muito de bobeiras que eu digo quando não pensei bem.

Bom, dali a pouco resolvo ousar: adoto a postura da amiga T. – bem resolvida, cheia de coragem e segurança. Não adianta, fica forçado, pouco espontâneo. Eu não tenho coragem e nem sou tão segura quanto às vezes tento parecer. Pelo menos não quando se trata desse assunto.

Aí, pego e ouço um amigo homem, E., talvez ele sim saiba como é que eu devo agir de forma autêntica e acertada.

Nada! Pior ainda, fico esquizofrênica: penso uma coisa, digo outra, sinto outra, um horror.

Aí, cansada disso tudo, volto à velha e conhecida eu mesma. A que se estrepa, se questiona, se ferra, chora, mas que, me desculpem, é o meu eu mais sincero e pessoal. Nessa área da minha vida, é claro. Em outras eu quase que já me superei.

Tenho total consciência dos pontos em mim que precisam de retoques, restaurações, consertos e benfeitorias… Só que cada vez tem sido mais desafiador acreditar que debaixo desse mofo, dessa poeira sedimentada, tenha ouro dezoito quilates tentando brilhar.

Sozinha não está dando para trazer esse tal ouro à tona. Acho que preciso de um time de umas catorze pessoas, cada uma fazendo sua parte, todas me adotando como seu sítio arqueológico, até que alguém arranque de mim um fóssil, uma parte que seja mais parecida comigo mesma nas outras coisas da vida. Aquelas, nas quais eu me dei ligeiramente bem.

Eu não consigo importar para minha vida emocional os atributos da eu mulher, da eu profissional, da eu amiga, da eu irmã, da eu cozinheira, da eu filha, da eu mãe da cachorra, da eu dona de casa, da eu motorista, da eu cantora de karaokê, da eu chefe.

Eu, quando me refiro a esse assunto, continuo sendo eu com quinze anos. Às vezes, sou eu com treze anos. Às vezes, sou eu com bem menos do que isso.

Por que a personalidade geminiana escolheu justo esse ponto para se manifestar?  Será que não dava para esse signo ter feito de mim ora uma devassa, ora uma mulher séria? Ora uma intelectual, ora uma beberrona? Ora uma atleta, ora uma tocadora de violoncelo?

Nãããão! Fez de mim ora a mulher mais bem resolvida do mundo, ora uma perdida que não sabe por limites nos seus “fogachos” românticos; ora a apaixonada feliz, ora essa descabelada de coração em frangalhos.

Minha vida até agora tem sido essa coleção de naufrágios emocionais. Tenho sido para eles como lâmpada branca para os besouros.

Geralmente o besouro, quando vem, vem desavisado, coitado, está voando em direção à luz por puro instinto… E eu fico achando que ele fez isso por livre arbítrio, porque amou a luz, porque a luz é tudo.

Em vinte nove anos eu ainda não consegui aprender nada com isso, lidar bem com isso, evoluir, amadurecer com isso… Acho que nem que tivesse passado por inúmeras terapias – freudiana, junguiana, proustiana, woodyalleniana, seinfeldiana, holística, cromoterápica, comportamental, vegetariana, grupos Jedi, alcoólatras anônimos… Nada teria adiantado!

Toda vez eu me animo, eu acho que vai ser legal, caramba, por que não? Porque não! Simples.

Porque eu me atropelo, porque a vida não é filme da Nora Ephron.

Porque eu sou essa mistura não simbiótica de mim comigo. Sou essa coisa dicotômica de Mary Poppins com Madonna, de Amélia com Princesa Lea, de Chapeuzinho Vermelho com She Ra, de Virginia Woolf com Margie Simpson…

E é sempre igual. Não importa se ele é afegão, faquir, canadense, bombeiro, operador da bolsa, gaúcho, milionário, pipoqueiro, senil, loiro. Não importa que eu use a minha própria estratégia ou a da minha irmã, a da minha amiga, a do meu amigo. Não importa nem que eu não use estratégia nenhuma.

Eu só queria poder aplicar uma dessas fórmulas em minha vida: eu + alguém que me entenda; eu + alguém que queira ser entendido por mim; eu + alguém que me deixe entrar, ficar, cuidar; eu + alguém que me ajude a ser feliz; eu + alguém que se deixe ser feliz comigo. Só!

Mas eu não sei que raios dão errado. Cadê o tal caminhozinho mais fácil?

Eu não quero acabar toda vez no meio da lama.

Eu, a Amélia, a Virgina Woolf, a Princesa Lea, a Margie Simpson, a Chapeuzinho Vermelho, a Mary Poppins, essa galera toda, no meio da lama, chorando a falta – e às vezes até inexistência completa – de Han Solo, de Hommer… Aliás, quando a gente está na lama, até do Lobo Mau a gente sente saudade.

A chance de amar tem sido para mim como um pirulito arrancado da mão quando dele eu só senti o doce aroma de tuti-fruti.

Ninguém me deixa ser feliz. Eu não consigo ser feliz. Eu não me deixo ser feliz.

Será que dá para eu ter o direito de não querer namorar e me casar com um cara que parece o Salsicha do Scooby Doo?

Será que dá para alguém me deixar chupar esse pirulito, ESSE aqui, até o fim, por favor?

Sem fórmula mágica, sem estratégia, sem joguinhos, sem loucuras…?

Mas de uma vez por todas e até o palito?

Deixe seu Comentário

Aviso: A moderação de comentários está habilitada e pode atrasar seu comentário. Não há necessidade de reenviar seu comentário.