CLÉU ARAÚJO
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Felicidade inconformada

por: Cléo Araújo

16 JAN

2007

É domingo de manhã. E faz sol. Sol mesmo, não mormaço.

Tudo o que eu quero é colocar meu chinelo chique (fiz o pé ontem) e ir tomar um café na Ofner munida de minha cã e do meu jornal.

Chego à Ofner, peço o café, me acomodo. Abro o jornal. E me sinto uma vaca por estar ali, de pés feitos, tomando um café de quatro reais e dando um pão de queijo de dois e cinqüenta para uma cachorra.

O mundo parece estar à beira do caos.

Pelo menos aquele mundo do jornal está.

São Paulo e essa cratera.

Parece marca de um meteoro desembestado, daqueles que extinguem espécies. Pensei nas vezes em que passei por ali, peguei um táxi num ponto ali, do lado da Abril… Lembrei de um sonho que tive, o do terremoto que derrubava um único prédio (de um Banco do Brasil que não existe) na Av. Brigadeiro Luis Antônio… E a imagem do sonho era muito parecida com aquela, ali, na primeira página do jornal…

Rio, Minas e aquela lama. Gente sem água, nadando numa glega que sabe-se lá que conseqüências terá na saúde daquelas pessoas. As autoridades dizem que todos podem ficar tranqüilos, que não há sinais de produtos tóxicos na água/lama/glega… Mas provavelmente foram também as autoridades que garantiram segurança para os pobres moradores vizinhos da cratera…  E veja só o que aconteceu…

Saio do Cotidiano e vou para o Mundo. Uma outra notícia fala sobre novas imagens do enforcamento de Saddam… E aí, aí sim, eu me sintoem plena Idade Média. Não só enforcaram o cara, em pleno 2006 (2006, não 1206) como ainda existe uma busca tétrica pelas imagens do crápula agonizante. Uma vibe desse tipo, definitivamente, não deve trazer boas coisas para a humanidade, por mais que menos vibe boa ainda o dito cujo tenha trazido ao destruir a vida de tanta gente… Uma loucura atroz não justifica a outra, e você não precisa ser um filósofo sábio para conhecer esse chavão, vá…

Mas, talvez seja melhor não provocar… Na Idade Média, gente com esse tipo de idéia subversiva queimava na fogueira. E se tem forca funcionando por aí, pode ser que algum tirano criativo doido apareça querendo botar umas fogueiras para queimar de novo.

Vai começar um outro Big Brother Brasil. Outro! Isso sim deveria merecer uma greve. Todas as máquinas deveriam parar. Nenhum elevador sobe, nenhum desce; as rádios só transmitem estática; os bancos fecham todos seus caixas eletrônicos; o You Tube sai do ar; ninguém consegue acessar o Windows XP…

É uma afronta dolorida ao público que só tem canal aberto. Porque eles, eventualmente, acabarão assistindo a um cara chamado Pablo, de peito depilado, que irá inventar algum bordão ridículo que vai cair ‘na boca do povo’. Algo do tipo ‘tudo de bom’ ou ‘ninguém merece’.

Um alarme de tsunami deixa os pobres dos japoneses do norte em stand by.

Há pessoas comprando um lugar ao lado de Deus com Visa Eletron ou Redeshop… E pagando juros no banco para garantir o principal terreno de sua vida!

Arre, mundo cão!

O café desce torto. Eu, como já disse, me sinto uma vaca fútil. Ponho-me de volta para casa, onde já penso em limpar minha alma impura. Penso em fazer coisas braçais, do tipo limpeza de alumínio, trilhos de janela e forno; penso em levar ração para os cachorros do Rogério (o maluco mais bem resolvido de São Paulo, que puxa uma casinha pelas ruas dos Jardins/Vila Nova Conceição, carregando uns 4 cachorrinhos fofos e recolhendo papel), ligar para os amigos deprimidos, construir minha casa no campo, me inscrever num programa de ajuda a refugiados na África, arrumar uma fé, ter piedade dos covardes, …

Chego ao portão de casa.

Ainda era domingo de manhã.

Ainda fazia sol.

As manchetes do jornal continuavam as mesmas, ali, fazendo peso debaixo do meu braço…

Mas havia uma surpresa me esperando.

E de repente eu fiquei feliz.

Mesmo me sentindo uma vaca e meia por isso.

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