CLÉU ARAÚJO
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Fome de viver

por: Cléo Araújo

31 AGO

2007

Eu queria comer o mundo inteiro quando saía de uma tarde na piscina.

Meu lanche preferido era abacatada – que poderia ser substituída por uma vitamina de banana, maçã e mamão, caso faltasse abacate – acompanhada de bolacha recheada de morango e/ou fandangos de milho.

A pobre da minha mãe não dava conta de suprir a casa com compras de supermercado que fossem suficientes para alimentar todas as bocas que iam curtir a piscina lá em casa nas tardes de verão (de primavera, de outono e às vezes até de inverno).

A gente comia muito. Embora essa fosse uma das únicas refeições do dia, pra mim.

Nessa época, tive também uma fase maçã. Comia umas quatro por dia, cada uma delas com técnicas diferentes de dentadas. Ah, e yakults? Uma estupidez de tantas garrafinhas entulhando o lixo no final do dia.

Um dia, descobri que gostava de peixe e de azeite de dendê. Passei direto da vitamina de frutas com leite para moqueca, nessas férias em Recife.

Meus pais acharam que eu ia morrer, de tanto que, de repente, comi. Comida de verdade, não todas essas outras coisas da qual se mantinha meu organismo até então.

Mas tinha também o lanche da escola, que não tinha nada de barra de cereal e balanceamento nutricional coisíssima nenhuma. Tinha cachorro-quente com molho, sonho (frito) com recheio de creme, pão doce, pizza, pingo d’oro e bala frigels de cereja de sobremesa. E, na hora da saída, feito um pré-almoço, ainda saboreava, no trajeto até em casa, um delicioso saco de pipoca de macarrão quentinha.

Quando chegava em casa, o almoço já estava sendo colocado sobre a mesa. Era tempo de tirar o uniforme, lavar as mãos e um espacinho pequeno no estômago já se preparava  para pelo menos um tiquinho de macarrão a bolonhesa e uns goles de suco de tamarindo.

Daí para a goiabada com requeijão, foi um pulo. E da goiabada com requeijão para os lanchinhos da tarde – “dois amores” (brigadeiro branco e preto entrelaçados e cobertos por açúcar cristal) e risoles de frango na rotisseria mais nova da cidade – foi um salto ornamental muito bem realizado.

Mas meu mundo mudou mesmo quando descobri as delícias dentro de uma sopa de feijão, de uma torta de frango (da minha avó), de um espagueti ao vongole…

Caminho sem volta…

Curioso é que cheguei aos 16 anos com 45 quilos, corada e sem cáries. Vivi essa vida de fartura e liberdade, regada a toneladas de sonho de valsa (sempre ali, à disposição) numa era em que não se falava nem em gorduras trans, nem em Atkins; Mc Donalds era essa lanchonete gostosa na qual a gente passava quando ia para São Paulo; frutas, legumes e verduras eram naturalmente parte da refeição não porque faziam bem à saúde, mas porque não havia nada melhor num dia quente do que uma bacia de alface lisa, com bastante azeite e sal, naquele almoço de sábado, ou uma banana amassada, com açúcar, aveia, leite e sucrilhos…

Acho que alguma coisa aconteceu.

É normal que alguém que come pão de mato com tofu se sinta culpado porque o pão de mato tem sim um pouco de carboidratos?

E pior, será que é realmente uma culpa descabida, já que de fato comemos pão de mato e ficamos, mesmo, mais gordinhos do que quando devorávamos a travessa toda do pavê de chocolate da tia?

A velocidade metabólica desmorona, e não há como se comparar o gasto de energia de oito dedos batendo no teclado (eu, por exemplo, nem uso os dedinhos) com o gasto de energia de cinco “diagonais” em três aulas de dança por semana; ou com uma final de um campeonato de queima; ou com uma corrida alucinante fugindo de um chinês maluco.

Mas algo faz com que eu me sinta como um desses cachorros do século XXI, que usam frontiline, tomam vacina para gripe, para giárdia, água filtrada e comem ração balanceada (importada dos EUA) e parecem tão saudáveis quanto aqueles do passado, que comiam os restos dos pratos e tomavam no máximo uma anti-rábica.

Deve ser por isso que ontem, quando cheguei em casa depois de um dia estafante de trabalho – no qual um cérebro e oito dedos não deram conta de queimar nem um capuccino da kopenhagen – é que senti vontade de correr.

Saí debaixo de garoa, em direção a Avenida Paulista, devorando as calçadas, como se não houvesse amanhã.

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