CLÉU ARAÚJO
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Iglu

por: Cléo Araújo

01 JUL

2011

Sinto frio na unha do dedinho do pé, parte morta e pequena de mim. O frio é tanto nessa vida sem isolamento térmico que até ela sente frio, encolhida lá, no dedinho, sob a meia e o sapatinho de lã, morrendo de medo da hora do banho.

Me encolho toda, todos meus músculos, mantas, tendões, cachorras, aquecedores, nervos e unhas, tudo debaixo do meu moletom University of California, onde agora deve estar fazendo o maior calor, aliás, dá até para ver my californinan buddy deslizando faceiro na sua bicicleta  pela orla santabarbariana, tomando sua cerveja sob os 29 graus bem na hora em que o sol se põe. Ou seriam 31?

Nada contra o frio. Absolutamente. Adoro casacos, cachecóis e botas. Tudo contra sentir mais frio no meu banheiro do que debaixo do vão do Masp. Nossas casas são geladas, tão geladas que eu queria um iglu.

São poucos os dias de frio, concordo. Mas poucos que valem por todos, já que sentimos a queda de cada grau, um por um, deixando paredes, carpetes de madeira, janelas de vidro e assentos de vaso sanitário abaixo de zero. Acaba que 7 graus aqui provocam mais frio do que 7 graus no Chile ou no Tirol. Por quê? Porque esses caras são bons que só na arte de se esquentar.

A gente? Bom, a gente gela uma sala como ninguém. Visite qualquer comércio de Cuiabá em meados de janeiro e comprove você mesmo: ge-la-do! Tem um Gree em cada esquina, um Split em cada lavabo. 16 graus, às vezes 15. Gelamos bem, meu amigo, quanto a essa arte que funciona contra o termômetro que sobe, nada a declarar.

Mas quando se trata de esquentar, ah! Traquitanas no melhor conceito McGyver dos pólos nos atacam sem piedade, nós, os senhores das estalactites indoors. Mal sabe você, pacífico morador de um prédio de classe média alta em Perdizes, que do lado de lá do corredor uma espécie de terrorista congelado está prestes a incendiar o banheiro com uma lata de ervilha vazia contendo álcool comum e uma aparentemente inofensiva caixa de Fiat Lux.

Lareiras com teias de aranha sofrem de solidão, ninguém pensou em comprar lenha quando fez questão de uma casa com ela. Ela tem velas, lindas velas, que iluminam, mas não esquentam nem o pombo que mora na chaminé. Fora o forno aceso, o chuveiro correndo para aquecer o banheiro, tudo sem que o vento polar deixe de passar pelas frestas invisíveis das suas janelas. Esse vento sempre pega a gente bem ali, na hora de entrar no box, pelado, entregue à nossa própria e pouco glamorosa versão de mergulho no Baikal.

Eu faço tudo com pulinhos, sem saber exatamente por que, definitivamente não funciona. Pulo enquanto sonho com a minha próxima casa, jurando que ela vai ter uma manta sintética sob o piso, vidros duplos, ah vai sim senhor, e calço a meia tremendo, e vai ter um sisteminha de calefação pelomenos no quarto e no banheiro, ah vai, e calço a outra meia, e aí já estou jogando ar na minha lareira imaginária, que cospe labaredas aconchegantes, quando me vejo vestida em minhas várias camadas de roupas multicoloridas, sou uma cebola ártica, ou antártica, enfim. Ninguém é chique dentro de casa com um frio desses.

Ando de gorro e luvas na minha cozinha, sujo a luva de azeite, ando arrastando os sapatinhos de lã. Bato os dentes tentando tomar uma sopa no sofá, sem saber se cubro os pés (e a unha) com o cobertor de ver TV ou se ajeito o cachecol em volta das orelhas.

Olho lá fora, pela janela, tem gente de camisetinha de algodão de manga comprida.

Lá fora nem é tão frio.

Aqui dentro, Yakutsk.

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