CLÉU ARAÚJO
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Lágrima entupida

por: Cléo Araújo

13 DEZ

2006

Me enche o saco esse nó cego atado em meu pescoço.

Esse não agir que se torna obrigatório.

Esse ficar quieta, fingindo que está tudo bem. Não está!

Esse fora que eu continuamente tomo da vida, essa sensação de ser vítima sem algoz.

Tem uma lágrima querendo cair do meu olho.

Ela apareceu quando um amigo me olhou e me percebeu uma pessoa sensível e levemente em frangalhos por debaixo da pele de fortona.

Agora ela me tremula no canto do olho toda vez que eu sinto vontade de criar um controle de ejeção, que me catapulte do mundo quando eu não quiser mais estar em algum lugar e dele precise sumir em milésimos de segundos.

Uma lágrima densa, essa. Ela salga a minha vista quando me prende, me ludibria, me engana, me faz crer no impossível, só para rir na minha cara depois.

Alguém me traga uma água de coco com uísque!

Me leve para praia, numa manhã de sol, e me largue lá, torrando na areia.

Alguém, me jogue no mar, me faça uma sereia com potência turbo. Vou nadando até a África se me disserem que lá tem alguma coisa de certa, de definitiva, de segura me esperando.

Comece, verão, mas comece logo, leve depressa esse saco de festa natalina embora, traga janeiro, traga feriado, vire outono, primavera no norte, me faça cidadã do mundo.

Eu quero o ano que vem.

Me enche o saco essa sensação.

Esse vazio que vai e vem. E que quando vai faz de conta que não vai voltar só para rir da minha cara de idiota quando se emperra na minha soleira de novo.

Caia logo, lágrima, se derrame no meu rosto e marque com um caminho vermelho a minha pele transparente. Pelo menos assim ela ganha um pouco de cor.

Preciso fazer trinta. Preciso acreditar que as coisas são mais normais com trinta. Preciso confiar. Preciso.

E fica cada vez mais difícil. Porque diante de um mundo tão maçante, pode apostar que o que parece perfeito geralmente não é real. É sonho da sua cabeça.

Estou farta dos oásis de felicidade.

Vou começar o ano me prometendo a morte da ansiedade.

Da minha, da do mundo, da de quem quiser e precisar se livrar dela.

Não vou correr, não vou me cegar, não vou me vender à idéia apaixonante da felicidade que bate à porta.

Essa lágrima vai chamar outra, eu sei, é só deixá-la cair e atrás dela virá uma avalanche.

Eu choro, choro sim, vou chorar até o final do mês, vou trazer tudo que está dentro para o lado de fora, vou regurgitar minha insatisfação camuflada a troco de porcaria nenhuma.

Minha vida está uma zona.

Meu apartamento está zoneado. Meus armários estão zoneadíssimos. Minhas coisas no trabalho estão uma zona. Minha mesa de vidro se partiuem duas. Eu estou uma zona.

Não consigo me salvar desse desânimo de fim de festa.

Não vai rolar.

Ninguém faz milagre.

E a porcaria do nó segue me apertando o pescoço.

A lágrima já caiu.

Foi ontem, no trânsito.

Aparentemente sem razão.

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