CLÉU ARAÚJO
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Na pior das hipóteses…

por: Cléo Araújo

14 DEZ

2006

Outro dia eu pensei que deveria existir um controle portátil de ejeção sumária, um dispositivo descomplicado, compacto, de fácil montagem, capaz de me ejetar de algum lugar onde eu não mais pudesse permanecer por razões morais, pessoais, emocionais ou biológicas.

Foi durante um pensamento desses que me veio a idéia de ajudar as pessoas que também precisam se ejetar, vez ou outra.

Coloquei os meus poucos neurônios para trabalhar em hora extra e daí nasceu a idéia de criar um guia. Didático e de fácil operação, essa humilde bússola seria como um passo a passo que poderia ser usado naqueles casos em que se precisa de uma resposta para a aterrorizante pergunta “mas e se tudo der errado?”. Um modus operandi, enfim, para uma necessidade emergente de fuga, sumiço, solução, disfarce…

  1. Como fugir de um táxi imundo e mal cheiroso 

Se você já teve esse desprazer, sabe bem do que estou falando. Por fora, parecia um táxi normal, por dentro, era a verdadeira caverna de um ogro com caganeira. Traças circulam pelos bancos, papéis suspeitos jogados pelo chão, um cheiro de gente envelhecida…

Nessa situação não há nada mais a se fazer a não ser dar um grito “Paaaaaaaaaaaaaare! Acabei de me lembrar que saí sem dentadura!”

Jogue uma nota de cinco reais de longe e saia correndo, em buscar de liberdade e de ar não tóxico.

  1. Como tirar um beija flor de dentro da sua sala 

Essa é simples. Vá até a loja de aluguel de fantasias mais próxima e procure um traje de leopardo malásio. Grave em VHS sons de rugidos do especial “Felinos”, que vai ao ar toda terça-feira no Animal Planet. Se você não assina TV a Cabo, pode:

a. solicitar a assinatura em caráter de emergência.

b. ir para casa de um amigo que assina e fazer essa gravação.

Já devidamente fantasiado, plante-se em um lugar mais alto do que aquele onde se encontra a pequena ave. Acione o sistema VHS a partir de um controle remoto e inicie a fita com os rugidos. Ao mesmo tempo, faça movimentos circulares com os braços de forma a provocar nela, a ave, o alçar de um vôo em direção às janelas, que devem permanecer sempre abertas.

Costuma funcionar em no máximo 14 dias.

  1. Como sobreviver a uma viagem de carro de 600 km com trânsito 
  1. Finja falar outro idioma nos pedágios.
  2. Leve chapéus e boinas coloridas e use-os como se nada houvesse, apenas com o fim de distrair as pessoas dos outros carros, que também estão buscando formas de sobrevida.
  3. Desligue o som e cante Queen.
  4. Simule uma discussão com a outra pessoa do carro (se houver). Assuntos sugeridos: “esse Nelson Mandela é realmente um puta de um babaca”, “eu comi um golfinho outro dia, menina, você precisa provar, ma-ravi-lho-so”, “é por causa dessas coisas que eu votaria no Bush”.
  5. Leve uma panela com plug para o acendedor de cigarro e cozinhe um Sukiaki. 
  1. Como se livrar de um ficante que você só beijou por educação 
  1. se o beijo já tiver começado: simule um engasgo e diga que você sofre de um mal raríssimo: Síndrome da Glote Vacilatória.
  2. se o beijo for só iminente, comece a gargalhar histericamente… Se ele perguntar do que você está rindo, diga que se lembrou de um trote que você passou no Bozo quando tinha 10 anos.
  3. Se o cara não deixar você se desvencilhar do beijo já dado mesmo depois da revelação da Síndrome da Glote Vacilatória, assopre dentro da boca dele e diga que se trata de um tique nervoso o qual seu monitor no manicômio vem tentando tratar com chá de mariposa. 
  1. Como responder perguntas do chefe para as quais você simplesmente não tem nenhuma resposta 

Enrole.

“A absorvência antinatural desses dispositivos por vezes desorientam a pesquisa e nos forçam a buscar estratégias pouco convencionais no sentido de tangenciar um apoio outrora praticamente imperceptível. Você poderá nos questionar “mas, como assim?”. E fato é que nós mesmos já percebemos que, embora a refração dos problemas seja desconsiderada, os resultados obtidos a partir do esforço inócuo podem, sim, justificar a completa ausência de justificativa de nossa parte, pessoas que estão absolutamente à sua disposição para o que puder ser discutido no futuro.”

  1. Como não pegar buquês em festa de casamento 

Leve uma caixinha com dezoito formigas africanas dentro da sua bolsa. Quando começar a perceber a movimentação da nobia, assopre o apito de prata, ao qual sua amiga e fiel escudeira deverá responder por meio de um bater de palmas rápido e ardido. Nessa hora você saberá que a nobia se encontra a poucos metros de você. Finja um abraço. Nesse momento, sua amiga estará postada ao lado da mão dela onde descansa o buquê. Ainda abraçada à noiva, passe para sua amiga a caixinha com as artrópodes. Elas devem ser depositadas a 45 graus, apontando o leste, sobre a flor mais alta do buquê. Geralmente o devorar leva não mais do que 14 segundos.

Não funciona com tulipas.

  1. Como não ir a festas de aniversário de criança 

O convite chegou à sua casa. Você não consegue arrumar uma desculpa decente e branca, do tipo “tenho manicure” ou “ah, nesse dia não vai dar porque eu estarei esperando a visita de um técnico da Com Gás”.

Aja com destreza: pegue uma gripe, uma conjuntivite ou comece a fumar charuto.

  1. Como agarrar um guarda-sol que sai voando pela praia 
  1. Se o guarda-sol já voou, grite: “Rochinhaaaaaaaaaaaaa! O Guarda SoooooOOOooooOOOOl!”. Sempre tem um sorveteiro do Rochinhaem algum lugar. Ao ouvir as palavras, ele irá rapidamente localizar o guarda sol voador e usará seu carrinho para escorregar até ele, evitando que este machuque os banhistas.
  2. Se está ventando muito e há riscos do guarda-sol voar a qualquer momento: arremate o lote de sorvetes do Rochinha e peça que ele, o vendedor, em troca, passe o dia com você, na sua barraca, ajudando-o a monitorar os movimentos da sombrinha gigante. Ele deverá segurá-lo sempre que você precisar ir fazer xixi no mar e/ou buscar uma cerveja quente.

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