CLÉU ARAÚJO
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Não me segure, por favor

por: Cléo Araújo

23 OUT

2006

Não, não me mande ficar calma.
Não hoje, por favor.
Vou retocar as mechas do cabelo, fazer o pé e passar esmalte rosa-velho.
Vou comprar um perfume de lírios brancos, fazer as sobrancelhas e comprar aquele sutiã verde-mato com bojo.
Vou comer salada de rúcula o dia todo, abaixar as músicas novas de Amos Lee, comprar um ramalhete de flor-de-lis e um incenso de chocolate.
Vou depilar as pernas, comprar camarão, damasco e nozes.
Eu não vou parar, não, não me peça para parar agora.
Não me peça para ficar calma.
Eu preciso seguir, tenho tanto para fazer.
Preciso trocar uma lâmpada, comprar uma vela com aroma de alecrim, passar óleo na dobradiça da porta de entrada.
Preciso pedir para ninguém me ligar, para ninguém me atrapalhar e não, não me peça para ficar calma.
Eu vou listar restaurantes, gelar um champanhe rosé, mandar arrumar o chuveiro.
Eu vou jogar fora contas velhas empilhadas no meu chapeleiro, guardar presentes que ganhei de outros (e que ele conhece), vou colocar meu vestido azul-marinho porque hoje, ah…
Hoje, por favor, não me peça para ficar calma!
Vou passar meu rímel extra-volume, calçar meu salto alto e lavar meu cabelo com xampu da Lancôme.
E ele está chegando.
E eu já consigo sentir o cheirinho de madeira com tangerina-verde do seu perfume.
Não, não me mande ficar calma!
Não hoje, logo hoje, que eu quero misturar tudo, liquidificar a vida, chacoalhar o mundo.
Hoje eu quero uma bagunça de rosa-velho, damasco, verde-mato, chocolate, flor-de-lis, nozes, rímel, champanhe, Amos Lee, lírios brancos, xampu da Lancôme, madeira, óleo, alecrim e tangerina-verde.
Não, hoje não.
Hoje, me deixe!
Que calma eu só fico amanhã.

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