CLÉU ARAÚJO
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No que você acredita?

por: Cléo Araújo

02 JAN

2006

No que você acredita? Em Deus? Nos heróis de quadrinho? No inferno? Na vida eterna? No amor? Na ressurreição? Nos astrônomos? No paraíso? Nos deuses gregos? Nos santos? Na clonagem? No céu? No elo perdido? Nos astros? No Big Bang? Na política? Na bíblia? Na evolução das espécies? No demo? Nas vacinas? Nos entes pagãos? Na felicidade? Nos gênios da lâmpada? Nos cientistas? Nos astrólogos? Nas células-tronco? Na Terra Prometida? Na salvação? Nos sonhos? Nos maus presságios? No Nada? Completo? Absoluto? Doce e certo nada?

Eu? Em nada. E em tudo. Em mim, no outro? Não sei. Acredito provavelmente em algo que não conheço… Será?

Não… Na vida? É, a vida é isso aí. É isso que a gente acorda para fazer todo dia. É o filme que emociona, é o amor que não deu certo, a pasta de dentes que acabou. A viagem que não aconteceu. A música que não se cansa de ouvir e que não se consegue cantar. Acredito naquele agudo impossível, de soprano, debaixo do chuveiro. Na mensagem das nuvens, que sempre formam o perfil de um senhor narigudo. Quem é ele, afinal das contas?

O mundo. Lugarzinho complicado. Lugarzinho único. Alienígena? Fim do mundo? Asteróide gigante, estrela a caminho da morte? Força Jedi, autocontrole, poder da mente? Fraqueza do corpo. Vitória. Amanhã. Projetos de vida. Mitos.

Quanto tempo tudo isso vai levar? Como dosar o que se deve ou o que não se deve fazer? Quando salvar? Quando deixar acontecer? Quando arriscar a vida, enfrentar o medo? Quando preservar o lugar seguro? O colo da mãe? O sofá da sala? A geladeira cheia? Quando ficar deprimido? Quando tomar remédio pra sorrir? Como entender a vontade de ficar? E a vontade de ir?

Usar o cinto de segurança, saltar de pára-quedas, comprar um carro com air-bag. Tomar vacina contra a gripe. Cruzar o farol vermelho. Acelerar. Comer cachorro quente de carrinho, fazer dieta macrobiótica . Beber, até ficar de porre.

Amar sem medo, chorar de raiva. Ter um bichinho. Uma planta. Roer a unha, pintar o cabelo. Ver o primeiro branco. Usar protetor solar? Corar a vida, avermelhar a alma?

Tudo para quê? Para caminhar para a única coisa tristemente certa. O fim. O seu, o meu, o do mundo. O fim. Do filme, da música, do dia. O fim. A hecatombe, a extinção. Tão certo quanto o anoitecer ou o nascer do sol. Que um dia, sei lá, vai virar uma anã branca. Um ponto inútil no universo. Do qual a terra não mais pertence. Não pertence porque não é. Assim como um dia eu também não serei.

Caminhamos para um dia simplesmente não sermos. Não existirmos. O sentido não é o da existência, mas o da não existência. Caminhamos, bebemos, comemos, amamos, para um dia, não sermos mais.

É possível ser feliz assim? É, se a felicidade é algo no qual se acredita. Se não, o simples fato de se estar pode ser suficiente para se ser.

O primeiro gole de cerveja na praia. A risada de uma bebedeira. O beijo mal dado. O cigarro depois de um vôo. O Big Mac no meio do regime. O choro doído, o choro feliz. O sono, depois de um dia cansativo. O lençol limpo, o cheiro do amaciante. A chuva na hora de dormir. O sol no sábado de manhã. O amigo feliz. O neto. O filho. Eu.

Tudo isso tem que acontecer rápido. Antes de os nossos meteoros pessoais explodirem, nos extinguindo. Tudo isso para que a gente possa, talvez, não ser, mas evoluir. Por sobre essas terras. Que podem ser a únicas. Simples assim. Azuis ao longe. Essa terra, única coisa na qual acreditamos, mesmo que não possamos vê-la do além. Ela está aqui, sob nós. Nos fará pó. Nos cobrirá. Fim?

Afinal das contas, no que você acredita?

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