CLÉU ARAÚJO
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O cheiro do verão

por: Cléo Araújo

24 JAN

2013

Férias.

Tempos tão felizes.

Eu e minha irmã arrumamos nossas mochilas da 775 (a dela azul, a minha, amarela) para uma hospedagem estendida na casa do Vô e da Vó: a chácara.

Maiô, camisola, short, camisetinha, escova de dentes e de cabelo. Barbies, lápis preto e de cor, borracha, cadernos sem pauta e fita cassete da novela das oito. Estamos prontas para partir.

A chácara é perto da cidade, mas precisamos pegar um trechinho de estrada para chegar lá, o que já dá ao passeio uma cara de viagem. “Lá longe”, como diria Ana.

O destaque da chácara fica, sem dúvida, para piscina: ela é grande e nunca houve água que mantivesse uma temperatura tão agradável durante quase todos os dias do ano. A incidência de sol é perfeita. Sem contar o banco de azulejos submerso (local bastante agradável para conversas aquáticas), as lâmpadas especiais para debaixo d’água (que permitem mergulhos noturnos) e a “cachoeira” (um jato d’água massageador despejado de um cano suspenso a uns dois metros de altura, potente e desafiador). “Resultado”, como  diz a vó quando quer encurtar a conversa: é a piscina mais genial de todo o planeta.

E o quintal? Imenso e cheio de árvores, comuns e frutíferas (a pitangueira, os abacateiros, as jabuticabeiras, as mangueiras). As moitas de plumas, quase de mentira, e o Snoopy e a Luana, cachorros. A horta de morangos da vó, a plantação experimental de abacaxi do vô e a casa do caseiro, fechada e inabitada, lá no fundo, perfeita para brincadeiras que tratam de assombrações, fantasmas e espíritos das mais variadas naturezas.

indoors, temos o cassino da vó: uma mesa de baralho profissional, com feltro verde e um lustre pendente, a máquina de embaralhar, as fichas coloridas e as bolachas almofadadas para aqueles que preferem ficar com um leque gigante nas mãos, escondendo o jogo, a ir baixando os triozinhos, aos poucos. Vale lembrar, só vale terninho de Ás.

A chácara tem cheiro, cor e gosto de férias. Brincar ali é uma missão que poderia – e deveria – nunca mais ter fim. Das oito da manhã à meia noite, são mais de dezesseis horas para inventar as mais mirabolantes brincadeiras.

Tudo começa no café da manhã – uma caneca de café com leite com algumas natinhas boiando, dezenove sequilhos e catorze bolachas de maisena com manteiga aviação. Feita a primeira refeição do dia, partimos para arrumar a bagunça da noite anterior (ficamos até altas horas confeccionando roupinhas de Barbie, desenhando histórias em quadrinhos e usando o dinheiro do Banco Imobiliário para brincar de loja. Isso depois de umas três partidas de buraco, é claro).

Aí, já são umas dez horas e já está quente o suficiente para ir para a piscina mais genial de todo o planeta.

Ficamos lá, inventado mil tipos diferentes de realizar um mergulho e competindo para ver quem aguenta mais tempo debaixo d’água até a hora do almoço. Saímos de cabelo duro, de olhos vermelhos, ouvidos começo, cheios d’água e mãos enrugadas. Passamos, com muito custo, um pente no cabelo, e vestimos uma roupa seca para almoçar com a fome das fomes: aquela do pós-piscina.

Geralmente nossa querida vovozinha prepara nosso dueto favorito: torta de frango + talharine ao molho rosé. Quando estamos dando a última colherada na sobremesa (que não raramente é Manezinho Araújo: uma espécie de merengue com doce de banana, creme e suspiro) chegam as amigas. As mães buzinam lá na frente para abrirmos o portão. Às vezes vem a Amanda, amiga da minha irmã, que no ano passado caiu na minha fábula sobre a árvore de jujubas. Às vezes, a Sílvia, minha amiga. Às vezes – nas boas vezes – vêm as duas.

Ficamos jogando buraco com a minha avó esperando dar as duas horas da digestão para poder voltar para piscina. Nunca tivemos coragem de quebrar essa regra. A cena que me vinha à cabeça era a de talharine saindo pelo nariz, boiando, bem nojento.

As brincadeiras da tarde acontecem, então, entre a piscina e o quintal. Brincamos de Ilha Perdida, Sereias Maravilhosas, Deusas da Floresta ou qualquer outra brincadeira com nome místico fantástico que nos permita ser ou princesa, ou deusa, ou sereia, ou ninfa ou a She-Ra.

Quando a noite vai caindo e começa a dar frio, é hora de tomar banho. Nessas alturas, as mães de Sílvia e Amanda já foram convencidas de que ambas precisam pernoitar e podem faltar na Crisma. Ainda temos o desfile de Barbies e a “negra” do Buraco pela frente.

Depois do banho, jantamos. E ainda comemos pipocas e jujubas disputando a derradeira partida de buraco que vai definir a dupla vencedora da vez, com honras da minha vó.

Vamos para cama e ficamos brincando de personagem oculto no escuro. A minha irmã resolve ser Beto Carreiro, e ganha, já que nem com todas as perguntas possíveis nenhuma de nós foi capaz de desvendá-la.

O final de semana chega ao fim.

Cada uma volta para sua respectiva casa.

Já é quase Natal.

Eu e minha irmã ajeitamos o pisca-pisca colorido em nossa árvore.

Presentes de pais, tios, avós, primos e amigos (que acabam dando uma passada em casa depois da ceia) se ajeitam debaixo da árvore. Pacotes da Mesbla, da camisaria Alvino, da Água de Cheiro, da Yamamoto e da Três Irmãos.

Frango recheado, arroz com passas, abacaxi e cereja. Uvas Niágara e panetone.

Comemos, trocamos presentes.

Os amigos chegam, pouco depois da meia noite. Trazem os filhos.

Terminamos a noite ouvindo o disco do Ultraje a Rigor, rindo de doer a barriga.

E isso porque faz só quatro dias que o verão começou.

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