CLÉU ARAÚJO
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Outros olhos e armadilhas

por: Cléo Araújo

08 JAN

2009

O sol nascia devagar.

O Copacabana Palace, cor-de-rosa.

Sentia o sono que se sente quando a noite já terminou e ainda não se dormiu.

Sono cansado, sono feliz.

Ah, mas não era hora de dormir, era? Não era lugar para se perder nada.

Fui até lá, afinal, só pelo prazer de encontrá-lo.

Queria dele cada gole, cada sabor, cada som. Queria ser fácil, dada, oferecida. Mulher nenhuma se faria de difícil ali, diante daquilo tudo.

Sei que amanhecia e três rapazes em suas sungas vermelhas jogavam futevôlei.

Eu voltava de um delicioso dia longo e de uma sedutora noite carioca, com direito a caipirosca de lima da pérsia e pizza na Guanabara. Vestia o mesmo biquíni, ainda úmido, e as mesmas roupas com a qual desfilara pelo Botafogo, pelo Pepê, pelo Leblon, por Ipanema, pelo Jardim Botânico, pela Lagoa e finalmente por Copacabana, enquanto o sol nascia sem pressa e alguns se acomodavam para vê-lo de primeira no Arpoador.

Mas ele, ah… Queria me fazer sentir em casa. Não dava a mínima para minhas roupas de ontem. Era a cara dele não ligar para essas besteiras.

Estava sem dormir há mais de trinta horas, mas me sentia disposta, me sentia quase carioca de tão poderosa, quase capaz de me juntar aos futevoleiros na areia da praia ainda fria. “Aê, aê, aê…”.

Mas eu estava só começando.

Era só o primeiro dia com ele depois de tanto tempo.

Eu, a paulista inocente, apressada, falante e derretida, descobria um cara cheio de malícias, de sotaque contagiante, de um jeito leve de ser, de andar e de se interessar por mim como se eu fosse a mais desejada das mulheres.

Saber que ele me aguardava causava em mim uma ansiedade, uma descrença, um frio na barriga adolescente. “Seria mesmo ele ali, esperando por mim?”. E era.  Era ele sim.

Fomos então até a Joatinga, um lugar onde, pensei, poderia viver para sempre. Seguimos para a Pedra da Gávea, onde tudo o mais que houvesse lá embaixo perdia o sentido. Éramos nós dois e alguns pernilongos, mas até eles eu poderia aprender a amar, de tanto que tudo aquilo era perfeito. Olhava para ele sem acreditar no que via. Fiquei tão impressionada que fechei os olhos, estonteada com a altura, sim, mas mais com a sua beleza, ao mesmo tempo selvagem e gentil. Foi aí que ele me passou as mãos pela cintura e acariciou minhas bochechas já vermelhas, cor natural do meu rosto depois de algum tempo ao seu lado. Seu cheiro misturava o cítrico da Floresta da Tijuca e o salgado da maresia. Seu tato era quente. Tímida, só fiz aceitar o conforto daquele carinho seguro. Senti sua respiração ir chegando tão perto, tão perto, que quase pude perceber quando nossos lábios se tocaram.

Queria ele para mim.

Queria assistir as Cagarras, lá longe. Queria andar de bonde. Ver o Cristo. Saltar de asa delta. Comer biscoito Globo. Açaí. Empada do Bracarense. Chopp no Aterro do Flamengo. Risoto de camarão na Tijuca. Queria samba na Lapa. Água de coco no Posto 6. Queria tudo com ele.

Mas não deu tempo.

A ponte-aérea atrapalhou.

Percebi com tristeza que ele não caberia em mim, nem sob minha pele branca.

Sim, ele me beijou a boca. Mas eu não dormi com ele nem vi as luzes do Hotel Marina se acenderem por causa do nosso amor.

E assim o tempo passou.

Outros olhos e armadilhas, sim.

Mas nada, nunca, foi como eu e o Rio. Nem como o Rio e eu.

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