CLÉU ARAÚJO
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Para ver de perto

por: Cléo Araújo

12 JUN

2008

Quem me olhasse de perto talvez acreditasse ver certa tristeza em meus olhos.

Mas não.

Não era tristeza, não.

Era saudade.

Talvez o cético me achasse melancólica quando eu fosse contar que algo de incrível havia me acontecido, um dia.

Mas não era melancolia, não!

Era só o despertar de uma sonolência amorosa que já durava muito tempo.

Talvez a experiente me achasse ingênua ao me ouvir falar de paixão – daquelas de filme dos anos 1950.

Mas não, não era ingenuidade, não.

Era certeza absoluta!

E ele era isso.

Ele era tudo.

Talvez eu achasse que tudo aquilo não tinha acontecido, que só poderia ter sido invenção da minha cabeça.

Mas não era invenção, não. Era uma verdade que por pouco não se perde no tempo.

Talvez almoçar espaguete ao vongoli em Positano fosse mesmo coisa de filme da Marisa Tomei com o Robert Downey Jr.. Talvez não fosse uma coisa para gente como eu, que tem trinta dias de férias por ano, faz poupança para viajar e almoça em quilo.

Mas não era coisa de filme, não. Destino? Também não.

Era simples, feliz e inocente coincidência.

Talvez eu nem tenha mais direito à Lua de Mel.

Mas…

Talvez ele já esteja quase se esquecendo.

De mim, dos momentos doces, dos apimentados, das coisas felizes, sérias, novas, aterradoras e sensacionais.

Talvez ele já esteja se esquecendo de que nunca montou um cavalo e saiu a galope. Eu mesma me esqueci de que nunca esquiei nos Alpes e nem caí todo torta na neve.

Talvez ele tenha se apaixonado por uma mulher de cabelos pela cintura.

Talvez eu me arrependa de não ter sido mais presente enquanto ele era real.

Talvez ele me ligue mais tarde. Ou tarde demais?

Talvez um dia a gente se encontre de novo.

Talvez eu me desapaixone mais uma vez, com o tempo.

Talvez ele seja um cara cansativo, um profissional médio, casado com uma esposa média, morando numa casa média, numa cidade média, com um salário médio, um carro médio e um cachorro médio.

Talvez ele nem se case.

Talvez eu conheça um russo, me apaixone loucamente por ele, ele por mim, nós nos mudemos para Moscou e sejamos felizes para sempre.

Talvez eu faça uma viagem de Lua de Mel (aquela, que talvez eu não mereça mais) com o meu marido russo para Budapeste. E lá, talvez eu cruze com ele em um restaurante fluvial no Danúbio.

Talvez a gente se reconheça, mas faça só um “oi” com a cabeça, de longe, ao estilo húngaro como eu imagino que esse seja.

Talvez meu coração vá parar na boca, mesmo eu achando que talvez ele esteja meio careca.

Talvez eu queira largar meu marido russo.

Talvez ele se levante e venha até mim. Mas se for para me apresentar a sua mulher francesa de cabelos pela cintura, prefiro que a gente só faça um “oi” com a cabeça.

Talvez a gente nem se reconheça e nem fale um “oi” com a cabeça.

Mas talvez naquela noite ele sonhe comigo e eu com ele sem a gente entender o porquê. Como se a gente tivesse se visto sem se ver.

E são nesses dias que quem me olha de perto talvez acredite ver certa tristeza nos meus olhos.

Mas não…

Não é tristeza não.

Continua sendo saudade, mesmo

É isso.

É tudo.

É só.

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