CLÉU ARAÚJO
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Pensando alto

por: Cléo Araújo

19 MAI

2005

A onze quilômetros acima da terra meus pensamentos ganham força. Ganham ritmo, ganham velocidade, ganham, às vezes, nitidez. São onze quilômetros de altura e onze horas sentada, quase que na mesma posição, animadas apenas por alguns pequenos intervalos de distração.

As comidas e as bebidas, sempre ruins, sempre insossas e sem graça, acabam sendo bem-vindas. É das poucas horas em que estamos verdadeiramente ocupados, de boca cheia, equilibrando pãezinhos, garfo, faca, salada, docinho e líquidos em uma mesinha de 20 cm2.

Aí, um cochilo. Ilustrado por um sonho que não é bem sonho, já que sei que sou eu quem está decidindo o que vai acontecer na próxima cena, e não meu subconsciente. A vontade de chegar, os ensaios para ir ao banheiro, um trecho do filme, um trecho do livro, um trecho da música.

Ora os pensamentos são vis, são fúteis e o preenchimento do tempo se faz com a lista de compras do free shop. Dois perfumes, uma garrafa de champagne para comemorar o meu aniversário, que está perto, alguns presentes, talvez até ganhe um brinde. E uma turbulência interrompe o pensamento consumista, que servia tão bem para a minha distração em algum lugar sobre a Ilha da Madeira, talvez.

Como os sonos são leves, divirto-me com as minhas histórias reais, que são fantasiadas. E as fantasias facilmente tornam-se histórias reais. E a madrugada. A madrugada de silêncio ensurdecedor. A vontade de ver logo o nascer do sol. Mas a noite é longa porque voamos na direção da noite, contra as horas.

O tempo que passa diferente, o tempo que não passa, mas que de uma hora para outra, termina. Onze horas não são exatamente 660 minutos a onze quilômetros de altura e a 800 quilômetros por hora.

E eu só me ocupo de pensar. Em tudo que fiz, em tudo que ainda tenho que fazer. Penso em como estarão as plantas no meu apartamento, em como ficou minha casa enquanto eu não estava. Penso em matar as saudades de tudo que eu amo, penso no cardápio do meu próximo jantar, aquele que eu vou cozinhar, penso em tudo que me espera lá embaixo. Assim que eu e meus pensamentos voltarmos para terra, onde tudo volta ao seu ritmo, altura e velocidade normais.

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