CLÉU ARAÚJO
Crônicas Contos Aforismos Fatos Invenções

Perdi a mão

por: Cléo Araújo

20 SET

2007

Eu me lembro de quando era tão automático quanto marcha de mobilete.

Tão natural quanto lágrimas sobre uma cebola picada. Tão espontâneo quanto cara de banho e cabelo molhado em um dia quente…

Ah, bons tempos aqueles, em que eu sabia paquerar.

Na tenra idade, mandava bilhetes escritos de batom por sobre o portão da casa do Juninho, 6ª série. Ligava e desligava na cara de quem quer que fosse o menininho da vez, só pra ouvir o seu “alô”, lá, naquele mundo sem bina. Promovia bailinhos em casa, coordenava a realização de bailinhos nas casas de alheios. Era uma potência de precocidade em termos de paquera. Achava legal até quando algum deles aparecia no meio da aula de jazz, para ver a gente dançar. Dançava como nunca, sem errar a coreografia. Paquerava e dançava como se não houvesse amanhã.

Na adolescência, cheguei a mobilizar exércitos para poder paquerar direito o paquera do momento. Acionava informantes, descobria o paradeiro do dito cujo numa determinada noite de sábado, sabia placas de carro de cor e só sossegava quando a coisa da paquera finalmente rolasse em alguma festa de quinze anos – para as quais eu me fazia convidar caso eu não conhecesse a debutante e fosse esse o paradeiro do mocinho. Uma paqueradeira sem escrúpulos, obcecada e louca. Rivais não me incomodavam. Pelo contrário, transformavam-se em motivações extras para que eu, com toda minha astúcia, fosse até as últimas conseqüências num mercado tão cruel e competitivo quanto o das meninas de catorze e os meninos de dezessete anos numa cidade de menos de 150 mil habitantes à época.

Jovenzita, não perdi o dom. Embora seriamente comprometida com alguns desses paqueras por vários anos da minha vida (sinal da paquera bem sucedida?), ainda deu tempo de praticar a arte da paquera nos espaços entre-namoros. Sempre na ativa, ao lado de amigas tanto quanto engajadas no ofício da paqueração quanto eu, fui essa moçoila determinada e controlada, embora pouco discreta e um tanto teimosa. Tinha foco, estratégia, sabia como chegar lá e fazer com que o alvo da vez notasse o meu interesse.

Mas ah!, eu sabia também trabalhar do lado da vítima. Não se engane, precisa-se estar tão atenta para a arte de ser paquerada quanto para a própria arte ativa de se paquerar. Se o paquerador a me adotar como alvo demonstrasse o interesse e ele fosse, é claro, mútuo, eu rapidamente articulava as minhas disposições paqueratórias e deixava com que toda aquela troca de olhares, botões de rosas jogados no jardim da frente de casa, conversinhas, esbarrõezinhos e encontros “casuais” trabalhassem a meu, corrijo, a nosso favor.

Não era coisa de jogar o cabelo, passar desfilando ou criar um estratagema maquiavélico de empreendimento no paquera “X”. Era simplesmente um estado de abertura à paquera, uma certeza de quem eram os meus favoritos nesta ou naquela circunstância. Havia sim um tanto de trabalho. Eu sabia, por exemplo, onde eles estariam, quando e com quem. Não era como sair a esmo, procurando um paquera aleatório que poderia ou não existir se eu estivesse ou não com sorte. A arte de paquerar vinha junto, e isso sim é lembrado com saudade, com um ambiente propício à paquera, ao encontro, ao conjunto de pessoas que eu achava interessantes e que freqüentavam a minha vida…

Mas…

São tempos exterminados, fulminados, terminantemente encerrados, pelo menos se eu continuar para sempre com o mesmo grau de sorte, desenvoltura e desinibição com os quais me encontro hoje. Já ando meio tia, tentando de forma patética fazer o jogo da paquera em anos bissextos e noites de eclipse, ocasiões em que um potencial (e conhecido) fofucho diante de mim se coloca. Cadê a eu de dez anos atrás? Se foi, e me deixou aqui na mão, com essa cara de quem quer ir dormir, bem segura e quietinha.

É como se a naturalidade e a leveza da paquera de ontem tivessem se transformado na naturalidade e na leveza com que hoje eu compro filé mignon ou pago contas na Internet. Não dá para se querer tudo nessa vida, enfim…

Ele está ali, sim, um paquera, sentado à minha frente e eu me encolho feito uma tartaruga avexada na sua casca quando, absolutamente sem querer, deixo cruzar o meu olhar com o dele e uia!, é sim um super paquera, um dos paqueras número um de todos os tempos, amém.

Mesmo ele estando disponível, de pilequinho e que eu esteja de pele bronzeada e me achando mais magra, não consigo. É como tentar parar de fumar ou negar a última bolinha de queijo. Muito, muito difícil.

Não é auto-estima perdida. É falta de tato paqueratício.

Perdi a mão.

Perdi de vez.

Fui embora sem paquera novo. E ele ficou lá, paquerando outra bem na minha cara.

Fui dormir, bem segura e quietinha, torcendo para cruzar com ele um outro dia, como deveriam fazer todas as outras meninas de onze anos que morriam de vergonha só de sentar na carteira da frente de um menino na escola e de quem eu ria, e a quem eu desprezava. Bem feito…

Hoje paquero por escrito, feito uma poetisa inglesa mal sucedida enrolada numa colcha alaranjada, sentada em sua máquina de escrever numa tarde de chuva.

Penso – coisas das escritoras inglesas mal sucedidas que se enrolam em colchas alaranjadas – que ele irá passar por aqui, perceber que é dele que estou falando e assim facilitar a minha vida, pois eu não precisarei me fazer entender ao vivo, caso um dia a gente volte a se ver nesse mundo tão incerto.

Daqui até lá, já haverão de ter publicado um novo livro de auto-ajuda para ex-paqueradoras patéticas como eu. “Liberte a Verônica Franco que vive de dentro de você!”.

Ou criado, quem sabe, uma máquina do tempo.

Deixe seu Comentário

Aviso: A moderação de comentários está habilitada e pode atrasar seu comentário. Não há necessidade de reenviar seu comentário.