CLÉU ARAÚJO
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Quando eu fui esquecida

por: Cléo Araújo

11 OUT

2006

Nenhum e-mail chegou.

Nenhuma mensagem fez vibrar a porcaria desse celular novo.

E o telefone de casa, que há anos não passo para ninguém, esse não tocou mesmo.

Nenhum recado, nenhum postal, nada.

O mundo está calado.

Não há eco.

Silêncio.

Perco-me em minha própria existência, perco-me em mim, e que porcaria, que lástima, que droga que quem eu quero que responda ao meu chamado esteja tão surdo, tão mudo e tenha se esquecido, me condenado ao ostracismo, me relegado a um canto escuro e úmido da memória, um porão da alma, um calabouço sem fundo, uma vala, uma masmorra.

Eu sinto culpa por esperar, por achar, por torcer, por confiar.

Sinto culpa por querer o que não tenho, ter o que não pedi. Confronto-me com sentimentos esquizofrênicos, numa mistura de mal-agradecimento, ingratidão e fantasia, alucinação.

Desprezo o fácil, almejo o etéreo.

E continuo sendo esquecida um pouco mais a cada dia.

Em meio a essa paz, a essa calmaria de notícias, de carência de atropelos, de emoções ausentes, eu só quero sair correndo. Quero viver a vida que eu escolhi, não a que me escolhe, dia a dia, me esmaga, me apequena. Quero a vida que eu sonhei para mim sim, e que droga, ela me expulsa. Como me expulsam todos os que se calam, todos os que fogem. Expulsam-me de si, me banem da cabeça, me asfixiam em seus esquecimentos, me vomitam.

As marcas que eu achei que deixara, a idéia de ter sido inesquecível… Balela. Ninguém se lembra, ninguém me sabe, ninguém me viu. E mesmo quando eu me esforçava, cheirando a baunilha, bochechas coradas, cabelos caídos sobre o ombro, já deveria saber que aquilo, depois de um tempo, depois de um lapso, seria ausência, memória vã. Uma saudade para mim. Um dia a se fazer fumaça para outro.

Quero voltar no tempo, encravar-me de vez em memórias que me tragam de volta ao pensamento. Quero invadir, arrombar, violentar, entalhar meu rosto, meu nome, meus números, meu cheiro. E quem se esqueceu vai ser tomado por um arrombo de saudade, de falta, de vazio. E vai ser capaz de cruzar um oceano inteiro só para se lembrar.

E enquanto isso, a vida se esvazia. Eu sinto sono, sinto tédio, ansiedade. Sinto pressa. Sinto preguiça.

E meu mundo continua emudecido, para meu completo desespero.

E eu quase que não existo mais.

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