CLÉU ARAÚJO
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Quem vai tentar me consertar?

por: Cléo Araújo

28 FEV

2007

Eu já estava me sentindo tonta há alguns dias. Perdida e egocentrada nas minhas próprias idéias sobre o excesso de rédeas que tenho sobre mim mesma, tentando me afrouxar dentro dos meus próprios limites, abrir mão desse abuso de responsabilidade que imponho sobre o nada. Aí, Chris Martin chegou. E eu fui encontrá-lo. Para completar a minha sensação de atordoamento…

Eu não consigo definir seu rosto, seus traços, Chris Martin é um borrão. Um borrão inglês. Mas o look todo em preto, o jeito esquisito…

Chris Martin desafina do jeito mais sensual possível. Como pode alguém desafinar e mesmo assim soar tão suave? Chris Martin pode.

Chris Martin se contorce no banquinho ao piano, deita no chão, balança os braços feito um boneco de vento. E mesmo assim, é supremo. E ele segue cantando. Sorrindo. Todo inglês.

Por alguma razão, ao som de Politik, eu me sinto, de novo, num estado agudo, quase em falsete (como gostaria Chris) de tontura. Perdida nas minhas próprias idéias sobre mim mesma e nessa parte da minha vida que ainda não começou.

Chris Martin chacoalha o banquinho do piano para frente e para trás, uma coisa meio Schroeder, de Peanuts, olhos perto do teclado… Sexy o Chris Martin. Sexy pra caralho, aliás.

Lá pelas alturas de In my place, tanta coisa já aconteceu. Meu celular já voou da minha mão, enquanto eu tentava, ao mesmo tempo, administrar as funções de gravar um trecho de Clocks em um vídeo e agitar meus braços no ar, também feito uma boneca de vento, só que tonta, baixinha e ficando rouca.

Subo na cadeira, já de celular recuperado nas mãos e braços de volta para o céu. Caio na cabeça da pobre mãe do menino de 13 anos à minha frente. Resultado da tontura, agora oficialmente crônica. E eu só tomei duas cervejas, por R$ 6,66 cada uma.

Faço xixi ao som de Trouble.

Os acordes de Fix You indicam que as horas com Chris Martin estão chegando ao fim.

Eu poderia me casar com Chris Martin. Gosto de inglês. Penso nisso ao som da minha atual música preferida…

Mas Chris Martin é casado com a mulher mais linda do mundo. Que vestia o vestido mais lindo do mundo há dois dias atrás.

Fix you está quase acabando e Chris canta como quem estivesse tentando consertar… Quem? A Gwyneath? Como se ela precisasse de algum tipo de reparo…

E a música chega ao auge. Eu gosto muito desse tal de Chris Martin.

Eu poderia também seguir os conselhos de Lilith. Parar com o plano das idéias e trazer as coisas mentais para o mundo real. Que tal, largar tudo e ir logo fazer aquele curso de roteiros em Nova Iorque? Um ano, um ano todo? Mas o que eu faria com minha cachorrinha e meu apartamento e minhas orquídeas e meu emprego e meu salário e meus CDs do Coldplay? Ah, eu gostaria muito que alguém também quisesse me consertar… Eu poderia ser mais desapegada, sabe? Ah, como poderia…

Mas o excesso de rédeas que tenho sobre mim mesma não deixa, os meus próprios limites me impedem e um abuso de responsabilidade imposta em mim mesma sobre o nada me aborta. Não daria para ser a namorada de Chris Martin com todo esse apego mundano. Nem com esse tanto de assunto de gente real, do tipo: joanete, chá de hortelã, almoço no quilo, dentista, declaração do imposto de renda… Sem contar que isso tudo ocupa um tempo danado… Depois de conversas sobre joanete, chá de hortelã, almoço no quilo, dentista e declaração do imposto de renda não sobra nada de mim! E aí eu desisto, meio que assim, meio que sem-graçamente, da vida que ainda não começou porque simplesmente eu peguei muito trânsito e fiquei com preguiça de começar o que quer que fosse de novo.

E esse rapazote, esse tal de Chris é, sei lá, hoje, agora, lá, no palco, uma espécie de sublimação do homem gostoso e sexy que eu não conheço. Nunca conheci. Talvez nunca venha a conhecer. Porque, por mais que eu me negue, eu sou comum, e como tal, me presenteio recorrentemente com gente comum, as quais eu mesma me encarrego de ver como especiais demais só para colorir a vida.

Mas é tudo mentira! Estou cansada e quero que se foda o homem que não existe, e esse monte de homem que existe e que não funciona. E um monte de coisa que funciona e que eu não quero. Eu preciso mesmo, Chris, é “Stuck in reverse…”

E eu me acho estúpida por, de vez em quando, me esforçar para gostar dessa gente comum, por me forçar a achar que vale a pena fazer pessoas comuns especiais, sendo que gente comum decepciona mais do que gente que não existe. E é verdade, Chris, é verdade… “If you never try then you’ll never know just what you’re worth”. Mas o que você sabe sobre tudo isso, não é? Você é casado com a Gywneath!

Engodo é o mundo real. É um mundo onde mulherzinhas usam salto e vestididinhos de seda em show de rock, pop, seja lá do que for que chamam esse estilo do Chris. Engodo é gente que se acha especial sem ser. Verdadeiro mesmo é o mundo de mentira.

Eu quero é amar e tomar café da manhã em um filme, porra! E essa gente comum, abusada, que provoca gente semi-comum a se animar por pouco? Eu as desprezo! Porque gente semi-comum tem a capacidade de projetar em gente comum a habilidade de ser fingirem de especiais. E eles não são! São dos comuns mais ordinários. Não cantam em falsete, não balançam os braços nem desafinam da forma mais suave do mundo. Desafinam grosseiramente. Não querem tentar consertar ninguém, nem a si mesmos!

Como é que dá para ser feliz com tanta gente cagona rodando pelo mundo, gente sem amor próprio achando que tem só uma chance de ser feliz e, por isso, se esconde atrás de uma pseudo segurança quase humilhante? Eu não quero nada dessa vida besta do mundo real. Eu não quero esses medos e covardias idiotas invadindo o meu santo espaço, tão cuidado, tão são. Não, eu não sou louca, eu finjo que sou. Sou segura, tenho muitas idéias sim, sou meio perdida, mas sou sã. Sou muito eu. Não quero um outro eu que não se saiba. E que de repente, apareça saltitante, feito um estranho, trajado numa fantasia de carnaval, pulando sem espontaneidade e se fazendo de feliz.

Arre!

Nessa noite, o bis chega ao fim e eu espero que algumas luzes me guiem até em casa… Nessa noite, de asfalto molhado, eu agradeço a Chris Martin. Talvez seja esta a primeira noite do começo da vida que ainda não aconteceu.

E feito o coro, eu peço Shiver. Quero sim um tremor da hora em que eu me levanto até a hora em que eu vou dormir. Quero gente que se ame. E que me mande recados nas mãos. Como se a vida fosse uma eterna festa pagã inglesa. E a trilha sonora de Parachutes estivesse tocando ao fundo, o tempo todo.

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