CLÉU ARAÚJO
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Saber, eu sei

por: Cléo Araújo

26 AGO

2008

publicado no Blônicas

Eu tenho certeza de que o Bono Vox é pintudo.

Não sei por que, mas estou segura disso.

É minha sensibilidade aflorada que me permite afirmar.

Ele tem cara de pintudo. Deve ser pintudo.

Outra, quer ver?

Eu tenho certeza de que o paulistano é dotado de genética única. Em seu DNA deve haver um cromossomo que o habilitou, depois de décadas de evolução e muito dióxido de carbono, a agüentar horas no trânsito sem achar aquilo pior do que qualquer outra coisa que poderia lhe acontecer na vida. O paulistano médio, com raras exceções – que de tão preciosas poderiam ser classificadas como anomalias genéticas – não acha tão fodidamente insuportável ficar parado no trânsito feito um idiota encarcerado. Ao contrário do que pensa a maioria, um ser zen, esse tal de paulistano. Um cara que trabalha no Campo Belo e mora no Tucuruvi só pode ter genética evoluída. Certeza.

Eu também tenho certeza absoluta de que mulher nenhuma vai achar muito legal ser convidada no primeiro encontro para ir a um rodízio de pizza. Nem que o cara seja hippie, napolitano ou filho do dono da Camelo. Um rodízio de pizza não combina com um primeiro encontro. O restaurante do rodízio de pizza é o mesmo onde ela almoça com seus colegas de trabalho de segunda a sexta, onde ela usa seu Smart VR, onde ela come ovinhos de codorna, palmito e berinjela a parmegiana e de onde ela sai com cheiro de gordura no cabelo. Ele não tem nada de romântico, capisce? Bom, eu tenho certeza, amigo. Pode anotar aí.

Eu sei que o filme favorito da maioria da população mundial é “Uma Linda Mulher”. Mesmo que essa mesma maioria insista em dizer que foi “O Jarro”.

Eu sei que você fez de conta que já sabia quem era Thelonious Monk quando aquele mocinho descolado que você andava paquerando não entrou no seu papo sobre o Big Brother. Não precisa ficar com vergonha, não, amiga. A gente é humana, viu?

Eu sei, por A + B, que toda mulher dá a vida por um belo sutiã de bojo.

E que homem, por alguma razão misteriosa, não curte quando as mocinhas pintam as unhas com esmalte escuro. Mas eu só tenho as certezas, não os porquês.

Em matéria de higiene e cavalheirismo, eu tenho certeza absoluta de que o Jamie Oliver não lava as mãos quando sai do banheiro e de que o Russel Crowe se esquece de abaixar o assento da privada depois de fazer xixi.

Já no âmbito cinematográfico e aéreo eu aposto que o Tom Hanks se arrepende de ter feito “O Código da Vinci” e que aquela câmera de “landscape” que fica na barriga de alguns aviões roda um VT em looping (em dia de tempo bom).

Gastronomicamente, o que posso afirmar sem medo é que, de cinco amigas minhas, quatro teriam recusado a sopa de tartaruga de Babeth e uma não teria nem ido a festa. Eu sei que quem desdenha quer comprar, mas duvido que vale mais um pássaro na mão do que dois voando.

Aposto e ganho com quem quer que seja: todo mundo já teve pelo menos um sonho erótico nessa vida e ninguém deixa de isolar três vezes na madeira quando tem um pensamento ruim.

Mas eu não confio nada nesse tipo de certeza que aparece assim, toda metida à besta, se achando absoluta. E confesso que me orgulho envergonhadamente da minha lógica incoerente de viver a vida sem acreditar em nada, mas achando que estou certa sobre tudo.

Por isso é que eu digo: saber, eu sei.

Agora, você, bom, das duas, uma.

Só acredita se quiser.

Ou se for o Bono Vox.

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