CLÉU ARAÚJO
Crônicas Contos Aforismos Fatos Invenções

Se fosse fácil interagir

por: Cléo Araújo

15 ABR

2005

Ela já estava na sua última hora de trabalho no escritório. Arrumava algumas gavetas, pois aquele trabalho mais braçal a distraía. Pouco antes do horário de saída, sentou-se de novo à frente de seu micro, para clicar “Iniciar” – “Desligar” – “Desligar o Computador”. E foi quando estava fechando a última janela que percebeu que ele estava lá, on line.

Uma mistura de ansiedade com sensação de controle tomou conta do seu corpo. Sua pressão caiu (ela sentiu pelo escurecimento da vista e pela vontade de vomitar, que sempre batia quando ela ficava nervosa), sua mão ficou gelada e os sons à sua volta de repente emudeceram. Não ouvia mais a conversa da sala ao lado, só o pulsar do seu coração. Ela sabia exatamente onde ele estava naquele minuto.

Passou de leve o mouse sobre o nome dele. Descansou o cursor, quando recebeu a seguinte mensagem da “Ajuda”: “clique com o botão direito do mouse para ver as maneiras como você pode interagir com essa pessoa”. Se a “Ajuda” do Windows fosse Deus, naquele momento ela estaria diante de um milagre. Essa era de fato a pergunta que ela gostaria de poder ter respondida, de uma vez por todas.

Como ela deveria interagir com aquela pessoa? Clicou com o botão direito do mouse como se iniciasse uma oração. Uma lista de opções apareceu na sua frente.

“Enviar mensagem instantânea”. Essa era a primeira opção. Uma boa opção, já que qualquer coisa instantânea para ela, naquela momento, faria bem. A segunda era “Enviar arquivo ou foto”. Não tão boa. A mensagem instantânea ainda estava em primeiro lugar. “Iniciar conversa por Áudio”. Essa pareceu-lhe perfeita. Quanta vontade de poder falar com ele, ouvir sua voz, perceber pelo tom e pelo ritmo da sua fala coisas que ela estava implorando para perceber. “Jogar”… Outra opção. A mais sensata, sem dúvida. Mas a mais cansativa, a mais dolorida, a mais demorada. Só teria paciência e saúde para jogar caso o jogo fosse tipo um rouba-monte. Não queria pensar mais. “Enviar email”. Bom, isso ela já tinha feito. Tinha depositado toda sua criatividade, capacidade de se expressar nas entrelinhas e poder de síntese para não ser cansativa, mas de nada adiantara. Sem dúvida essa não era a melhor forma de interagir com aquela pessoa. “Bloquear”. Seria fantástico. Bloquear de todas as formas. Bloquear de sua mente, de seu corpo, de sua memória, de sua vida. Mas faltava coragem. Que teria que ser ainda maior para a próxima opção de interação: “Excluir”, bem mais forte e definitivo do que “Bloquear”. Excluir, riscar, apagar, mandar embora. Tinha muita vontade de fazer isso, mas essa mais lhe pareceria uma forma de não interagir com aquela pessoa. E a verdade era que ela ainda buscava, de algum jeito, o sucesso dessa interação.

Resolveu ir embora. Já tinha escurecido, o trajeto até em casa era longo. E ela já tinha um nó na sua garganta. Claro que não optou por nenhuma das alternativas. A que ela queria não estava disponível. Ele ficou lá, on line, mudo, calado, silencioso, estático, quase como se não existisse. Quase como se fosse alguma coisa que ela havia criado, tirado da sua cabeça. Ele também não procurou interagir com ela. Talvez porque a forma como ele gostaria de poder fazê-lo tampouco estivesse disponível.

“Iniciar” – “Desligar” – “Desligar o computador”. Tela negra. Pegou sua bolsa, caminhou até o carro. Era noite de sexta-feira, e o tempo parecia estar mudando. Iria chover. E ela não queria sair de casa. Tudo que ela queria, ali, naquele momento, era descobrir qual era essa forma de interagir. De interagir certo, de interagir pelo maior tempo possível.

Deixe seu Comentário

Aviso: A moderação de comentários está habilitada e pode atrasar seu comentário. Não há necessidade de reenviar seu comentário.