CLÉU ARAÚJO
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Sobre manhãs perfumadas

por: Cléo Araújo

05 AGO

2005

Estava com um amigo ao telefone. Começo do mês de agosto. E uma estranheza de sentir calor em pleno inverno me invadia a sala naquela noite de segunda-feira. Não que fosse novidade, desde a pangéia o nosso inverno tropical é uma estação meio falsificada mesmo, que traz com ela aqueles dois dias de frio que vêm só para fazer graça e justificar a compra de catorze cachecóis. Mas as manhãs do veranico desse inverno haviam mexido com o meu amigo. Por enquanto, tinham mexido só com ele. Pelo menos até aquela conversa.

Ele me fez pensar que uma das lembranças mais ternas que tenho da vida no interior é a lembrança das manhãs por lá. A manhã por lá tinha um cheiro diferente, um ritmo diferente. Um não sei o quê que energizava, que dava vontade de janela aberta e água fresca, mesmo que não estivesse calor.

Nessa conversa por telefone, meu amigo só me fez bater a inveja. As férias haviam terminado em São Paulo e naquela manhã eu só havia vivido o desanimado stress de enfrentar o trânsito que voltava ao seu ritmo normal. Ele não. Acordou lá, abraçado pela manhã de agosto, que segundo ele, ‘estava com a cara daquelas manhãs do começo do verão’. Nossa! E como eu fui capaz de entendê-lo! Entendi tanto que morri de inveja.

Morri de inveja porque eu sei, sim senhor, que a manhã de lá, no começo do verão, é fresca, cheirosa, azul e cheia de bem-te-vis. Morri de inveja porque pensei naquelas árvores de ‘unha-de-vaca’, no perfume dessas flores, na pele um pouco menos branca sobre meu corpo, nas flores de ipê amarelo, no chá mate batido natural e na não-correria para lugar nenhum. Morri de inveja porque nessas manhãs estava sempre no horário, mesmo que perdesse a hora.

E a manhã do meu amigo tinha sido exatamente assim. A manhã de começo de verão no meio do inverno dele era um tanto que diferente da minha manhã de começo de verão no meio do inverno. Enquanto a minha manhã, por mais azul e iluminada que fosse, me jogava no meio do inferno do trânsito da 23 de maio, a dele o embalava com todos os perfumes, sons e visões dos quais eu só pude sentir inveja.

Às vezes eu penso que não deveria viver aqui. Mas às vezes eu também penso que essas conversas, esses papos de manhãs, lembranças, saudades e essas filosofadas todas só servem mesmo para que eu exerça o meu papel de auto-ludibriação.

Eu cansei dessas manhãs quando vivia lá. Por que a saudade agora? É possível que algo nos faça falta simplesmente por não ser mais parte da nossa rotina?

Acho que sim. Morro de inveja, mas acho que sim.

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