CLÉU ARAÚJO
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Boy next door

por: Cléo Araújo

31 MAI

2007

Ele tem cara de banho.

Olhos claros, pele de pêssego, pernas torneadas e tez levemente bronzeada.

De manhã ele sai para a corrida, de shorts e moletom. Tem passos fortes e é todo coordenado. Corre bonito. E tem as mãos grandes, embora delicadas.

Mora em um apartamento de uns 70 metros quadrados com um pug preto de três anos de idade, que só faz cocô quando sai na rua.  Apartamento de homem, não de macho. Tem bom gosto: sofá branco, do tipo bem fofo, dois lugares; poltrona marrom, de tecido entre o couro e a camurça; mesa de centro de vidro e pés de aço; grande estante de mogno com DVD, TV LCD, aparelho de som slim e vaso com bambu. A cozinha é neutra e pouco usada. Na suíte, cama king size, cortinas rolô, edredom branco e cabeceira de madeira. No banheiro, tudo de granito, toalhas novas e kit de barbear sobre a pia. Não há, na casa toda, nenhuma vela, nenhum incenso.

Quando volta da corrida, ele toma uma bela ducha. O café da manhã é um copo de Ades, uma xícara de café preto e, às vezes, quando a caminhada foi mais longa, uma granola com iogurte.

Coloca o terno e vai para o trabalho. Sorri, todo simpático, para o porteiro e para os condôminos com quem cruza no elevador, que fica com cheirinho de Dove e Plax depois que ele sai.

Não sei o que faz no trabalho. Sei que fica lá o dia todo, com seus olhos claros, sua pele de pêssego, sua tez levemente bronzeada e suas mãos grandes, embora delicadas.

Algumas senhorinhas da vizinhança não entendem porque ele ainda é solteiro. Está na casa dos 30, é financeiramente estável, saudável, belo, leve e sorridente.

Não é gay. Embora, quando esteja “à paisana”, demonstre extremo bom gosto para se vestir: malhas claras, sapatênis e calças larguinhas de cor neutra. É bem resolvido, pretende se casar sim, mas a seu tempo. É exigente com as mulheres. Não curte muito as loiras.

Aos sábados, costuma tomar café da manhã na padaria ali embaixo. Pede um sanduíche de pão integral com queijo branco na chapa e um expresso. Mas acontece de pedir uma “canoa” e um pingado. Folheia o jornal enquanto se alimenta. Sempre deixa caixinha para os chapeiros.

Às vezes sai de bicicleta, às vezes chega com um saquinho de DVDs alugados – adora os antigos do 007 – às vezes passa com sacolas do Pão de Açúcar – adora sanduíche de pão francês com rosbife.

De vez em quando, seu carro some da garagem, fica ausente por dois ou três dias. Dizem que curte um chalé na montanha, que pertence aos pais, mas do qual é ele quem cuida. É lá que ele pratica mountain bike, é lá que ele reúne os amigos em datas especiais para um churrasco, é lá que seu pug rola na grama, todo feliz, é para lá que ele leva as eventuais namoradas e é lá que ele curte a lareira e o silêncio do campo.

Aos domingos, quase sempre, ele visita os pais, que se mudaram recentemente para uma cidade do interior bem próxima daqui. Passa a tarde com eles e com os irmãos, que moram em bairros afastados do seu em São Paulo. Nessas tardes, joga pôquer e dorme na rede.

Escuta MPB no carro e um jazzinho em casa. Seus favoritos são Gil e Coltrane. Adora restaurantes argentinos e cerveja Norteña, mas não dispensa uma feijoadinha de sábado com os amigos.

Assina Época, NET, UOL e é cliente TIM.

Tem dois grandes segredos. O primeiro é que chorou no final de “Em busca da terra do nunca”; o segundo é que assiste novela, mas gosta de deixar sempre bem claro que abandona o capítulo pela metade caso coincida com um episódio inédito de “Prison Break”.

Seus porta-retratos, também de aço escovado, exibem fotos dele com a família, dele com o pug, dele com uma morena qualquer numa festa, dele com o labrador da sua mãe, dele com roupas de esqui… Mas também há fotos sem ele, que não faz o tipo narciso. São retratos de paisagens de lugares que ele visitou recentemente: as dunas e lagos dos Lençóis Maranhenses e uma banda de metais tocando ao vivo nos arcos da Lapa.

Corta o cabelo ali mesmo, perto de casa, em um desses cabeleireiros/barbeiros de bairro. O corte é clássico e combina com suas gravatas, bonitas e discretas.

Usa uma jaqueta azul marinho nos dias mais frios que ressalta seus olhos.

Não há uma vovózinha sequer no prédio que não o considere um “broto”. Também, pudera: várias são as ocasiões em que ele carrega duas ou três sacolinhas de supermercado para elas até o elevador.

Seu nome não combina com “Seu” na frente, mas todo mundo o chama assim.

Diz torcer para o São Paulo, mas não liga tanto para futebol.

E como esse, tantos outros moços deliciosamente básicos devem correr livremente pelos parques, desfilar desavisadamente com seus pugs pelas ruas e calçadas, pilotar suas mountain bikes pelas urbes altas, carregar espontaneamente sacolas de vovózinhas libidinosas, torcer desapaixonadamente pelo tricolor, deixar rastros deliciosamente perfumados de Dove pelos elevadores.

E é só reconfortante pensar que o tal do “Seu” Cara pode estar ali, do lado, right next door.

Acariciando seu pug e comendo sanduíche de rosbife, a módica distância de um singelo toc toc toc.

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