CLÉU ARAÚJO
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Um coração com cabeça

por: Cléo Araújo

01 MAR

2005

Um telefonema longo. Uma reunião chata. E você libera sua imaginação. Ou, melhor, sua imaginação se libera de você. Você não mais controla sua mão. A caneta que você segura começa a rabiscar linhas, pontos e curvas aleatoriamente na folha de papel a sua frente (que tanto pode ser o seu caderninho de telefone quanto o cartão de visitas de alguém). E vai, vai, quando ao fim da reunião ou do telefonema (caso você não tenha caído no sono) você se assusta com a obra de arte criada pelo seu subconsciente. E aí vem a pergunta: “mas o que é que eu estava pensando quando desenhei esse coração com uma cabeça e um braço fazendo sinal de ‘jóia’?”.

Faça um teste e pegue sua agenda de telefone (aquela que fica na mesinha, caso você seja bem vanguardista, é claro, e não possua uma palm, o que é, de fato, um verdadeiro bloqueio tecnológico para sua criação artística subconsciente). Repare na enormidade de rabiscos e desenhos que você registrou ali. Abstrações, cubos sombreados, florzinhas, flechas e nuvens. É fantástico. Você desenhou aquilo tudo sem saber o que estava fazendo. Uma força superior guiou seu processo criativo, algo que é seu, mas que você não estava controlando.

Psicólogos têm manuais de interpretação de desenhos do subconsciente (este não é o nome técnico, mas enfim). Esses manuais são freqüentemente aplicados para interpretar desenhos de crianças. Mas eu, por exemplo, desenho as mesmas formas desde criança, o que significa que um desses manuais poderia ser muito útil para que eu pudesse enfim compreender a minha mania de desenhar olho. Sempre desenho um olho bem formado, com cílios longos, sobrancelha bem tirada, íris grande. E por que será? Se eu pegar um caderno meu da segunda série tenho certeza que vai ter um olho desenhado lá.

E assinaturas que não existem? Sempre faço. Asteriscos, mandalas, nuvens ao contrário, sol, lua, estrela, retângulos, árvore, árvore com frutas, coqueiros, bonequinhos, bolinhas que vão crescendo até ocupar a página toda, curvas, faixas.

Por que tantas são as coisas que vêm à tona quando não estamos pensando em nada? Por que será que a gente escreve nosso nome em letra balão? E se nosso subconsciente é capaz de registrar numa folha de papel, usando nossas mãos e nossos olhos como veículos de comunicação com o meio exterior, por que será que nas vezes em que necessário, ele não age em outros âmbitos? Fazendo-nos ouvir o que precisamos interpretar melhor ou, mais ainda, dizendo o que precisa ser interpretado?

Tudo muito confuso. Isso tudo é muito confuso. Se esse texto não estivesse sendo escrito no computador, certamente haveria vários desenhinhos rodeando suas margens. Desenhos confusos. Porque quando a gente está assim, conscientemente confusa, nem nosso subconsciente é capaz de se mostrar, de guiar nossas mãos. Estou confusa. Preciso de um lápis.

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