CLÉU ARAÚJO
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Vivendo num mundo assincrônico

por: Cléo Araújo

15 FEV

2005

São várias as eras já atravessadas pela humanidade. Teve a glacial, a da pedra bruta, a da lascada, a pré-história, a idade média, a das grandes navegações, a moderna, a contemporânea e por aí vai. E existe a era atual. Batizada por mim, após vários estudos de fundo científico-antropo-sociológico de Era Assincrônica.

Os indivíduos estão vivendo em absoluta falta de sincronia. Um com o outro, é claro, porque ainda se percebe um mínimo de sincronia das pessoas consigo mesmas. O que aliás leva à falta de sincronia com o outro. Essa falta de sincronia, quando entendida como um fenômeno evolucionário, pode ser apontada como uma das maiores razões causadoras dos conflitos de interesses entre nações, religiões, preferências sexuais e relacionamentos. Em suma, tudo que está fora da ordem só o está em função dessa assincronia total e completa.

Cada um quer o que quer, do jeito que quer, na hora que quer. E é só! OHomo assincronicus assim se revela no momento em que, graças a essa (triste) evolução, mostra que para ele o que vale é a realização do seu querer individual. Poucos são aqueles que conjugam seus quereres com o outro, ou até os ainda mais raros, que fazem dos quereres do outro quereres seus. Em nome da realização de um querer instantâneo o Homo assincronicus abstrai, e por vezes até desrespeita, a vontade do outro. Que não necessariamente se encontra no mesmo estágio evolucionário da espécie.

A população mundial deve ser formada hoje por 97% de Homo assincronicus. O que faz dos míseros 3%, os Homo sincronicus, uma espécie em extinção. É como se essas duas espécies habitassem universos paralelos de uma realidade compartilhada.

No mundo assincrônico a gente mora sozinho. A gente não tem vizinho, não tem namorado, não tem família. Tem no máximo um cachorro. No mundo assincrônico (que é formado por vários micromundos), ninguém ama ninguém. Só a si próprio. Todos são deuses supremos de seus micromundos. Déspotas de suas monarquias sem súditos. Cada um corre para um lado. Em busca da satisfação COMPLETA de seus interesses e prazeres. Muda-se de idéia como troca-se de roupa. O assincronicuspode querer amanhã algo completamente diferente do que queria ontem. E ai de quem se colocar no seu caminho. Eles dirigem retroescavadeiras com alto poder de destruição. E passam com ela em cima de quem encher muito o saco deles. Eles até se apaixonam, mas pouco. Quer dizer, muitas vezes, mas com pouca intensidade.

O mundo assincrônico, se olhado de longe, até parece divertido. Muitas festas, muita gente bonita, completo descompromisso, risadas altas. Mas se observado de perto é um tanto tristonho, um tanto sem propósito.

Pobres dos 3% que ainda se encontram um degrau atrás na ordem evolucionária. Os sincronicus ainda dependem desse fenômeno – a sincronia com o outro – para se considerarem felizes. Suas vidas só fazem sentido quando não são simplesmente só suas. Eles são lutadores, ainda acreditam na adaptação do assincronicus a um mundo com um pouco mais de sincronia. Eles só sobrevivem porque acreditam que, assim como as retas, os universos paralelos também podem se encontrar no infinito.

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