CLÉU ARAÚJO
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Quadrilha

por: Cléo Araújo

12 JAN

2015

Tamara gostava de Kleber.

Mas Kleber era velho demais para Tamara. Havia sido casado com sua ex-tutora, Antônia. Mesmo assim, Tamara e Kleber estavam sempre juntos, para cima e para baixo. Jantavam, faziam piqueniques, passeavam pela orla de Dirceu, mas nada nunca houve entre eles, fora um flerte. Tamara afogou sua paixão numa bacia enquanto lavava roupas na beira do rio. E seguiu a sua vida. Kleber, que era carpinteiro, foi viver numa cidade a 30 km de distância, onde esculpia santos do pau oco.

Um dia, no casamento da filha do Prefeito, Tamara reencontrou um primo de 5º grau, Roberto. Tamara tomou todo o Campari da festa. Ela e Roberto se abraçaram e uma faísca qualquer se acendeu. Mas não, foi engano de Tamara. Roberto queria voltar o namoro com Kátia, amiga de Tamara, naquela noite. Tamara chorou na sua caminha estreita ao som dos grilos.

Dias depois, Roberto procurou Tamara para dizer que nada havia havido com Kátia. Que não daria mais certo entre eles. Era ela quem ele queria. Mas eram primos, meu Deus. O que diria o padre? Roberto, então, beijou Tamara e nada mais segurou o casal. Amaram-se sob a luz da Lua. E isso foi tudo que restou da amizade e parentesco distante de outrora que havia entre eles. Roberto não ficou nem com Tamara, nem com Kátia. Ficou com Laura, que não faz parte dessa história. Kátia brigou com Tamara, obviamente, uma puta. Tamara chorou a perda do primo e da amiga.

Tamara seguiu a sua vida, fazendo crochê e cuidando dos porcos. Uma noite, convidaram-na para o Baile da Abóbora de Dirceu. E ela foi. Vestiu seu melhor vestido de chita, passou ferro de passar roupa no cabelo, amarrou uma fita de cetim na cintura e se sentiu a mais bela das belas. Depois de 4 doses de Cidra, se atracou com Sérgio, seu amigo do curso de latim. Sérgio era tio temporão de Kleber, seu ex-amor, mesma idade de Kleber, praticamente. Sérgio, por sua vez, era meio galanteador, usava gravata borboleta e dirigia um Odsmomile. Já havia tido romances com Zuleica, amiga de Tamara, sua parceira de Tranca. Mas tudo bem. Nada mais complexo aconteceu. Nem Tamara nem Zuleica ficaram com Sérgio. Ele ficou com Tamiris, com quem está até hoje, e que também não faz parte dessa história.

Tamara seguiu, mais uma vez, 27ª nessa vida. Foi quando conheceu Rodolfo. Se encantou com ele e com o tamanho dos seus bíceps. Rodolfo trabalhava no cais de Dirceu, era 14 anos mais novo do que Tamara e praticamente a engoliu como a baleia do Pinóquio engoliu Gepetto. Ela ficou morando ali um tempo, não queria fazer outra coisa. Só queria ele. Mas Rodolfo era do mundo, seus bíceps tinham que ser divididos com a humanidade e com a mulheridade. Tamara sofreu, mas devolveu Rodolfo para o mar.

Tamara, pela enésima vez, seguiu a sua vida. Foi quando George apareceu, voltando da guerra, vivo. Cortejou Tamara com tâmaras, só para fazer trocadilhos românticos. Se apaixonaram tanto que Tamara deixou acontecer. Queria viver com ele e comer tâmaras para sempre.

George, no entanto, também tinha tido um romance rápido com Zuleica, aquela puta, quando fora voluntária como enfermeira na guerra. Mas, recentemente, ela havia terminado um namoro com Mauro, sargento, e agora namorava Borges, dono do açougue, o que permitia que Tamara e George vivessem seu amor sem traumas. Mauro havia namorado Catarina, professora primária, na adolescência, e agora Catarina estava namorando Borges. Tipo num swing quase cristão, todos estavam felizes.

Tamara e George se perderam. No amor, no desamor. Tamara fez um aborto. George teve de vender sua coleção de moedas para pagar. E, depois, George teve de voltar para o fronte. Na noite da despedida, choraram como dois bebês com fome. Mas George não escreveu mais para Tamara, que chegou a acreditar que ele tivesse morrido em batalha.

Tamara não queria mais seguir. Via Rodolfo cortejando Zuleica na quermesse. Ficou sabendo que Kleber estava namorando Renata, que também não faz parte dessa história. No meio tempo, Thaís, melhor amiga de Tamara, escrivã da cidade, estava vivendo um romance tórrido com Romero, marido de Dinamene, irmã de Tamara, e tudo estava ficando difícil demais para acompanhar. Incestuoso demais. Promíscuo, quase. Tamara, sei lá, estava quase querendo se juntar as meninas da Casa da Pedra. Pelo menos elas, as putas, ganhavam uns trocados levando essa vida.

Tamara chorava por George. George, aparentemente, estava morto. Zuleica chorava por Borges. Catarina chorava por Mauro. Rodolfo não chorava por ninguém. Dinamene chorava por Romero, Thaís chorava por Fred ficando com Romero, Fred ainda não apareceu na história porque ele é quieto e não corteja ninguém na frente de ninguém. Thaís já havia chorado horrores por Jhonny, que também ainda não entrou na história porque chegou a Dirceu há pouco, veio a cavalo desde a fronteira. Foi preso e torturado pelas milícias. Jhonny hoje namora Michele, amiga de Helena, que é amiga de todo mundo. Mas Jhonny é bissexual. Saía com Eduardo, Tamara sabe, porque saiu com Eduardo na época da catequese, antes dele ser gay, ou bi, ou tri.

Tamara procurou Kátia. Kátia havia acabado de terminar um namoro com Caio, que só está aparecendo agora na história porque largou o seminário. Choraram ambas por George e Caio, como se Roberto nunca tivesse existido. Rodolfo procurou Tamara e Tamara cedeu. Rodolfo é alguém a quem se cede, apenas, principalmente quando volta do mar, bronzeado e musculoso.

Kleber, esses dias, procurou Tamara. Conversaram sobre a vida, agora que ele deixou Renata e irá se juntar a George, na guerra. Sim, George está vivo.

Tamara não sabe mais o que fazer, nem com Kleber, nem com Sérgio, nem com George, que, agora ela ficou sabendo, está trocando cartas com Antônia, que tem idade para ser sua avó. Nem com Rodolfo e seus bíceps de estivador.

Tamara quer virar freira porque é muita putaria pra cabeça dela.

Dirceu é assim, pequena.

Pequena é assim, Dirceu.

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