CLÉU ARAÚJO
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Cleo, female, single, Brazil

por: Cléo Araújo

15 JAN

2005

Todo mundo está lá, no Orkut. É divertido, às vezes até emocionante. Vamos estabelecendo conexões com conhecidos, amigões do peito, colegas de infância, o cara que a gente conheceu ontem à noite, o amigo do amigo e assim vamos formando a nossa rede particular de relacionamentos, promovendo o nosso próprio e lícito tráfico de informações, manipulando os dados sobre nós mesmos e revelando para o mundo o nosso nível de popularidade.

Outras vezes, estar lá pode ser pertubador. Encontramos pessoas que havíamos jurado não querer ver mais, tropeçamos em ex, ficamos com medo de entrar em comunidades que possam nos estigmatizar, pensamos em cometer suicídio ao receber um “yes or no” quando alguém de quem fugimos por décadas nos pede um “add” e passamos a nos preocupar com a imagem que estamos passando de nós mesmos para o mundo.

Por exemplo: eu comecei como a Cleo, single, Brazil. Até virar a Cleo, Brazil. Ponto. Afinal, depois de horas de discussão com outros orkúticos, decidimos que o mundo inteiro não precisa saber do nosso status civil. Embora seja um auto-engano: só os singles deixam o blank, porque oscomitted estão comitted não só para o mundo inteiro, mas especialmente para a suas cara-metade, que também estão no Orkut, tão comitted quanto o outro. Comitted na vida, comitted no Orkut. Osingle tem essa liberdade: pode deixar blank ou colocar single. É o lance da preocupação excessiva com a imagem, afinal, é meio que como o lance de tomar bebida alcóolica nos EUA, em público: se você vir alguém tomando um gole direito de um brown bag, não vai imaginar que seja Diet Coke. Algumas coisas saltam aos olhos, mesmo quando tentamos esconder.

Muitas informações. Muitos scraps. Muitos testimonials. Eu amo o mundo do Orkut, o seu movimento. Queria morar, fisicamente, lá dentro.

Mas… pouca coisa acontece, no mundo real. Claro, sem menosprezar: reencontrei amigos da pré-escola, saí pra beber com minha amiga de infância (a gente chorou e tudo – bendito Orkut), ele ainda é novo (pode ser que vários eventos sensacionais venham a rolar nos próximos anos graças ao seu nascimento), mas… não estou sentindo muito as suas vantagens físicas. Sei lá, quero mais festas, mais eventos, mais amigos sendo reencontrados. Quero que os meus paqueras virem todos single(ou blank, eles podem escolher) e quero que o Gael G. Bernal peça umadd pra mim. Quero fazer um mega evento com todos os meus amigos de faculdade e um encontro de turma do terceiro colegial. Aí sim, aí sim o mundo real ficaria mais parecido com o Orkut, com todos os meus amigos na minha sala, ao invés de na minha página.

E que fique claro: eu amo o Orkut. Amo, sou viciada nele. Nem de longe pensei em fazer uma crítica, muito pelo contrário. Quero o Orkut no meu mundo, e não só o meu mundo no Orkut. É só isso.

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