Vovó deixou de presente a garrafa de brüt quando veio visitar a casa nova.

E eu deitei com uma taça no sofá antigo, o antigo sofá. So, so far.

A vida toda, aqui, ventando. Bem aqui, no sofá. Como a vinda venta, aqui.

Uma meia listrada de rosa e de preto.

Um amor eterno, que como todo, interrompido.

Um improvável moço no seu improvável bairro quando eu sequer sabia onde estava, lá, perdida, a dar caronas pela Zona Norte de São Paulo depois de shopping malls explodirem em Osasco.

O moço mais lindo do mundo e seu cabelo loiro mais lindo do mundo. Cachos que caíam e caíam. Caíam de tarde, sobre meu corpo e minha vida sem trabalho, cursos de italiano e torradas com ovos mexidos às cinco da tarde.

O sofá, meu amor. Que me deixou com piñas coladas, olhando o mar do Caribe como que para sempre, uma Dos Equis escorrendo pela garganta ao som de Maná, Cozumel se estendendo inútil.

Uma praia ou um flat nos Jardins, era outra vida, outro tempo, menos alongado, menos extenso e provável.

O sofá e suas almofadas púrpuras forradas, depois, de branco, com  capas e colchões, suas quatro almofadas, jogadas, apartadas, aqui, acolá, sem lençóis, enquanto a luz faz graça lá fora, fingindo iluminar, fingindo esconder.

O vento venta o vento que sopra.

O sofá deita. Branco-púrpura. Sozinho no seu monte de histórias. Seu conjunto de gostos, tipos, o quê?

Penso que não fui tendo sido quase, quase tudo.

Louca, insensata, descomedida, apaixonada, salva.

Salva por um par de meias cor de rosa listrado de preto. Ou preto listrado de cor de rosa.

Vejo o vento.

É o mesmo vento que sopra. Sopra sempre. Sopra sobre a taça de brüt da vovó.  Sobre a vida que foi. Borbulha na taça gelada, a vida, a vida.É mais que brut. É brüt.

O frio, a manta puxada cobrindo a metade. A minha, a dele. Metade é só metade, enfim.

Olho o vento, o vento me olha.

E não chove. A vida não molha.

Nunca mais nada cheirou a girassol.