CLÉU ARAÚJO
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Breaking bad

por: Cléo Araújo

09 JUN

2014

Foi só no dia em que eu te encontrei que eu entendi: hashtag era você. Você e sua barba dourada. Você e sua cicatriz propositalmente afixada num ponto sexy do seu queixo coberto por uma pele de pêssego. Você e suas falanges que comeram Whey. Você e seu pomo de adão protuberante. Era você, meu bem. Era você.

Foi o dia da certeza, o dia em que todos os meus problemas e prazos e gorduras localizadas e dentes tortos e glissades mal executados e dejetos de cachorros na calçada perderam o sentido porque era tempo de Pharrell Williams. Queria dividir uma breja com o porteiro, comprar Royal Canin para os cachorrinhos da ONG, começar a fazer Muay Thai, cantar Shakira no karaokê, dar cavalo de pau no Kart, uma estrela no estacionamento do supermercado.

O céu se abriu em uma tonalidade limpidamente completa e infinita. A minha solidão, cultivada a champanhe, caviar, zelo e carinho, se justificou. Era você, meu bem. Era você o pedaço de pessoa cor de noz pecã que faltava nessa minha história.

Foi só o começo, mas não é ele sempre o princípio do fim?

Sempre há muito mais entre o meu céu aberto em sua tonalidade limpidamente completa e infinita e a terra, essa quase bola onde moram os terráqueos, um pessoal com o qual eu aparentemente ainda não aprendi a conviver.

Ocorre, infelizmente, que entre o castanho dos seus olhos e o verde dos meus – mesma cor, aliás, da minha maturidade emocional, mesma cor do suco gástrico que me corrói as paredes do estômago, mesma cor da alface americana que é a única coisa que eu consigo comer desde que você surgiu com aquela barba – existe um catálogo de cores especiais da Suvinil, uma escala pantone inteira de alucinações e expectativas que vão além da imaginação de qualquer criança de três anos de idade. Tudo na minha cabeça, enfraquecida, córtex visual que te vê cor de noz pecã não só pelo brilho da sua pele, mas pela romântica sinestesia de cores com gosto na qual você me fez pensar.

Você veio cheio de malemolência reggae, coisa de quem tem esses antebraços e me fazem perder o controle num massacre, num soterramento, numa asfixia. E eu te juro que riria se não estivesse, tipo assim, chorando. O céu se fechou em sua completude escuramente definitiva e eterna porque você se foi. E ficar é foda. Ficar é sempre foda. Bem mais foda do que ir. Ir é light. Ir é ir. Break me bad baby one more time.

Adolesci tarde demais, longe demais, animada demais, alcoolizada demais, me sentindo a última ninfa da floresta demais para descer os pés na terra, a tal dos terráqueos onde vivem os seres de barba. A terapia e os medicamentos que certamente me faltam me dão esse superpoder de transformar tudo o que é possível em obsessão. Saio me prostituindo espiritualmente justamente com aquela fração de mim que mais odeio, a da euforia teen no comando, a da minha vida em dezenove segundos, um, dois, três e já, porque amanhã estou 24 horas mais velha e 24 horas menos apta.

Agora sinto só vergonha e quero engolir minha placa de dormir. Agora sinto só impotência e quero cantar Lana Del Rey e tomar absinto. Tudo o que eu toco se silencia e me cala sem deixar vestígios. Só tenho a cor que desaparece, mas que antes de ir sucumbe, invade e fim.

No dia em que eu te encontrei eu já sabia: lá se vai mais uma vez o pedaço de pessoa com cor e gosto de noz pecã que faltava nessa minha história.

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