CLÉU ARAÚJO
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Sonhos do começo do século

por: Cléo Araújo

01 DEZ

2005

Londres, março de 2001.

O taxista me deixou aqui na frente da estação da Bond Street, mas no meio do caminho havia um Internet Café. A gente bebeu conhaque agora há pouco, ele ainda está correndo dentro de mim. Tem um teclado sem cê-cedilha e sem acento agudo aqui à minha frente e estão menos 10 graus Celsius lá fora. E tem uma nevizinha caindo. Mas eu não resisti… Tive que entrar.

Já estou aqui perto do meu hotel, e ainda tentando entender o porquê exatamente de eu não estar aí do seu lado neste exato minuto. Foi você quem chamou o táxi? Fui eu quem pediu para você chamar o táxi? Está tudo muito confuso nesse momento. Eu estou aqui, você aí. E está frio. São três da manhã e, além de mim, só têm mais duas pessoas aqui, ambas com piercings em locais absolutamente originais.

Comecei a me lembrar de uns dias atrás. E percebi que alguma coisa em você, alguma coisa muito forte, mas que eu ainda não tinha nenhuma idéia do que era, me fez vir até aqui. Você surgiu assim, do nada, e cá estou eu, em Londres, em pleno carnaval, tentando entender quem é você afinal das contas e que sintonia bisonha foi essa que me trouxe até aqui.

Eu continuo sem saber direito quem é você. E talvez nem venha, nem queira, nem precise saber. Mas sei que a mesma coisa muito forte que me trouxe até a Inglaterra foi a que me fez parar aqui, nesse Internet Café, para te escrever tudo isso.

Acho que é porque você diz coisas. Acho que é porque eu sinto que me pareço com você. Acho que é porque eu sempre quis alguém com essas coisas que você diz perto de mim. E acho que é porque eu sempre vou querer pessoas que dizem as coisas que você diz perto de mim.

Vou tentar dormir logo mais. O recepcionista do hotel já deve estar dormindo, a porta deve estar trancada e ele provavelmente não vai ouvir a campainha que eu vou insistir em tocar. Vou sentir medo de ficar trancada para fora e de que a manchete de amanhã no The Guardian seja “Brazilian girl freezes to death”. Vou me perguntar de novo o porquê de não ter ficado com você na sua casa nessa noite fria e rara.

Mas enquanto isso não acontece, vou escrevendo esse email e registrando este momento que antecede o meu sono, mas que também antecede o resto dos nossos dias aqui em Londres.

De qualquer maneira, eu já posso prever o futuro. Eu já sei que não terei que me arrepender de não ter vindo para Londres no carnaval de 2001. Eu já sei que vou sentir saudade, oras, eu vim até aqui só para poder sentir saudade depois. Eu vou sentir saudade de você e de mim, de quem eu fui enquanto estive aqui, porque terá sido o mais próximo que eu consegui chegar de ser eu mesma.

A minha sensação, quando eu for embora, vai ser sim de vazio. Até o último minuto no aeroporto eu vou imaginar que alguma coisa vai acontecer e eu terei que ficar mais um dia por aqui. Vou lembrar que você me deu um beijo de tchau numa esquina qualquer do centro financeiro, vou sentir um apertinho no peito e vou acelerar o passo em direção à estação de metrô, tentando fugir sabe-se lá do que. Loucuras. Esses dias aqui com você vão me deixar assim, doida, realizadamente insana.

Mas por enquanto é hoje. E hoje nós ainda vamos almoçar juntos. E eu ainda vou poder aproveitar todos os poucos e valiosos minutos com você, ouvindo as tais palavras poderosas que, juntas, me deixaram decidida o suficiente para estar em Londres nesse começo de século. Você, que agora existe, aqui, nesse momento que, eu sei, será lembrado para sempre como um daqueles breves momentos que, de tão breves, ficam para sempre registrados como perfeitos.

Um beijo. Durma bem.

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