CLÉU ARAÚJO
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Um mau-cheiro no escuro

por: Cléo Araújo

13 DEZ

2007

Hoje o chique é ser inédito.

É ser freguês do restaurante que faz a fusão de ingredientes impensados, ser convidado para festa mais exclusiva e sensacional do sistema solar e cuja temática jamais fora imaginada nem pelo mais criativo dos publicitários ou ser proprietário do ponto comercial mais inusitado da metrópole e vender artigos jamais sonhados sequer pelo mais globalizado dos consumistas.

Há poucos dias outro desses cúmulos do vanguardismo social me chegou aos ouvidos. A novidade veio de um amigo que acabava de passar por Nova Iorque. Foi ele quem me contou sobre essa mais nova mania yupie: a “No Colone Party”.

Para se preparar para a tal festa manhattaniana, você não precisa marcar cabeleireiro e nem correr para comprar o novo lançamento da Carolina Herrera. Mas precisa sim se programar com uma semana de antecedência. Isso porque sete dias antes do grande evento você deve parar de tomar banho. Isso mesmo. Nem uma gotinha de água. Nem cabelo, nem pé, nem axila, nem partes íntimas, nada. Você vai deixando tudo bem sujinho e ensebado, quanto mais azedo, melhor. No dia da festa você vai pro local – sem, é claro, jogar baixo, e dispor de perfumes ou cremes sobre a sua pele já preparada para o fedozão. E lá fica todo mundo, um monte de fedidinho, curtindo uma baladinha com cheiro de camembert estragado em plena Big Apple.

Falando em camembert… Em Paris, quando o assunto é a vanguarda gastronômica, não se pode deixar de lado o “Dans le Noir?”. Um restaurante no qual ninguém vê absolutamente nada. Se alguém quiser ir lá só para mostrar o quanto é fashion, deverá torcer para ter uma filinha na frente, onde há luz. A idéia do restaurante é supersize o conceito do menu confidence – aquele segundo o qual você deixa nas mãos do chef a escolha do prato que você vai comer. Até aí, tudo bem. Mas aqui, ahah, aqui a coisa vai bem além. Você chega ao restaurante e é levado à sua mesa pelo garçom, que é cego (todos são). Sua mesa está localizada nessa sala que é um completo breu, vampiros poderiam morar lá dentro, estariam 100% protegidos de raios de luz. Aí você é acomodado em sua cadeira. Uma vez lá, não sabe onde está nada e é assim mesmo que você come, no escurinho do restaurante, o seu prato surpresa. Dois meses de antecedência, caso queira fazer uma reserva, tá?

Isso sem contar a vastidão pseudo-criativa dos reality shows no ar dos canais a cabo. Outro dia fiquei sabendo desse, mais um sobre a corrida pelo emagrecimento. O diferencial desse um, no entanto, é que não participam dele apenas seres humanos acima do peso. Cada uma das pessoas selecionadas leva consigo o seu cachorro (subentendo aqui que deva ser também um cãozinho barrigudo do tipo viciado em lingüiça). As duplas ficam lá na “casa”, num regimão brabo. Um come alface, o outro Royal Canin Light (ou vice-versa). A cada etapa, soma-se o peso do homem com o do seu cão. A dupla que perder mais peso num espaço de tempo X vence a tal da etapa. Diversão garantida, não? Tanto para você quanto para o Rex.

Para os fãs dos cafés charmosinhos, fica aqui uma dica também muito inédita e muito, mas muito exclusiva: o café “Kopi Luwak”. Bonito o nome, não? Pois é. Eu, que no quesito comida sou uma aventureira destemida, provaria a iguaria sem problema nenhum. Mas para os frescolinos que tiram a cebola da pizza, fica aqui o alerta: o grão do café kopi luwak é extraído de um ambiente pra lá de inusitado: o cocôzinho de um roedor muito simpático. É isso mesmo, o bichinho vai lá, come o café, faz digestão e claro, vai cagar. Junto com seu cocô sai o que? O grãozinho! Os cafeicultores recolhem-no, então, das fezes, pois o grão não é digerido, é só modificado de tal forma a liberar um sabor inigualável e a custar a bagatela de 250 euros o quilo.

Diante de tudo isso e do eterno sonho da libertação coorporativa – que passa pelo menos uma vez na vida na cabeça de todo proletário assalariado desse mundo – eu me pergunto: ainda há alguma maneira de alguém ganhar algum dinheiro com algo novo nesse planeta? Existe, aliás, algo novo reservado para o futuro? O que criar, o que empreender, o que construir, o que produzir para a TV, para o cinema, o que fazer para atrair as pessoas pelo inusitado?

Bom, se até festa fedida pode virar point, o universo é o limite. Ou não…

Se as coisas verdadeiramente boas continuarem sendo (e são) consideradas cada vez mais prosaicas? Assim, talvez, as pessoas que assim as consideram – e ignoram os pequenos prazeres - ficariam cada vez mais blasés, mais superficiais, mais desinteredas e desisteressantes e, portanto, tão ordinárias quanto as coisas que outrora desprezavam.

Ocorreria, então, uma inversão mágica: o mais in passaria a ser o retorno aos clássicos. Não a conceitos felizmente destituídos e demodés, mas aos prazeres que moram ali, junto às coisas deliciosamente acessíveis da vida.

Uma macarronada à bolonhesa ao invés de um algodão doce de pato coberto por uma espuma de maracujá que mais parece um cuspe; uma cervejinha gelada ao invés de um martini de phitaya com gotas de água de laranjeira; uma festinha com empadinhas e croquetes ao invés de um evento multicultural com show de luzes e homens pintados de cor-de-abóbora executando a 5ª Sinfonia de Bethoveen no didgeridoo.

Nada contra a mundialização dos costumes, da aproximação das culturas e do intercâmbio de tudo o que é bom entre todos aqueles que apreciam tudo que é bom. Mas extrapolar a criatividade nem sempre é sinônimo de promover prazer. Muito menos conforto. Sem contar que geralmente, ao longo das importações, as coisas perdem o sentido. É o que acontece quando vemos filas intermináveis para conhecer… um Starbucks. Muito legal termos um Starbucks em São Paulo, muito bom poder comer aqueles cookies maravilhosos, mas a idéia do Starbucks não é ser o point da balada paulistana, ou estou errada? Fazer fila na frente do Havana Café, um lugar de passagem rápida pra um cafezinho despretensioso em Buenos Aires (não é um três estrelas Michelin que precisa de reserva com meses de antecedência): faz sentido?

Não vejo nada de errado com o algodão doce de pato, mas acho discutível que uma onda em torno do algodão doce de pato motive até a padaria da esquina a se arriscar na culinária molecular. Nada contra festas criativas em helicópteros, vulcões ou cavernas. Mas fico me perguntando qual a graça de tudo isso e onde tudo isso vai parar, se é que se quer parar em algum lugar.

Quando essas questões me invadem, eu penso na minha avó ouvindo Moby.

Ela certamente teria a mesma reação que eu tenho ao ouvir Rihana: total desprezo.

E é por isso que eu sei que tudo isso pode me fazer soar um tanto reacionária, mas eu garanto: eu entendo.

Continuo sem saber se gosto da idéia de um Buddha Bar em São Paulo. Mas também não entenderia um Jacaré Grill em Paris. Onde está a graça das coisas senão nos seus contextos? É muito mais legal estar no Buddha Bar na Place de La Concorde do que… na Daslu. Muito mais legal tomar uma cerveja ouvindo um chorinho na Vila Madalena do que… na Place de La Madeleine. Fico imaginando que as pessoas se enganam. Acreditam em um divertimento por tabela, em uma satisfação quase obrigatória, em um estado de graça porque agora ela faz parte de algo novo, inédito, zero quilômetro.

Falo por mim, claro. E não sou nenhuma ativista dessas idéias. Tenho lá meus dias de metropolitana cosmopolítica. Não estou jogando pedra em nada, até porque seria a primeira a receber uma de volta (quando alguém me visse provando sorvete de mandioca com caldo de carne seca no bistrozinho da moda).

Mas diversão, para mim, conforme a idade e a ranzinzice vem tomando conta do meu corpo, tem se transformado em algo muito simples, ou pelo menos em algo que parece muito simples para mim, já que se trata de uma simplicidade subjetiva.

Diversão para mim é poder assistir “O Império Contra Ataca” sem chuvisco. É uma moqueca de camarão com uma taça de vinho branco. É uma partida de caxeta desviando dos besouros. Uma cerveja gelada com os amigos num final de tarde na praia.

E pode ser também uma caminhada pelas Champs Elisée, uma roda de salsa em Cuba, o pôr do sol na savana Africana. Pode ser até um jantar descolado numa cantina italiana clássica, mesmo que seja em Recife.

É só algo mais revisitado do que reinventado.

E não é nada, absolutamente nada que me obrigue a me transformar numa subversão de mim mesma.

Ou que me defina que o cool, agora, é comer atum com cara de cacto, mal-cheirosa e no escuro.

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